quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Capítulo 18 (O Simbolo Perdido)



CAPÍTULO 18

Katherine Solomon vestiu o jaleco branco e começou sua habitual rotina de chegada - sua
"ronda", como dizia o irmão. Como uma mãe nervosa conferindo o sono de um bebê, Katherine
espichou a cabeça para dentro da sala de máquinas. O gerador de hidrogênio estava funcionando
bem, com os tanques de reserva aninhados em segurança nos suportes.
Katherine prosseguiu pelo corredor até a sala de armazenamento de dados. Como sempre, as
duas unidades holográficas redundantes de backup emitiam um zumbido reconfortante dentro de seu
compartimento com temperatura controlada. Toda a minha pesquisa, pensou ela, olhando através do
vidro de segurança de 7,5 centímetros de espessura. Os dispositivos de armazenamento holográfico
de dados, ao contrário de seus antepassados do tamanho de geladeiras, pareciam mais os elegantes
componentes de um aparelho de som, cada qual empoleirado em um pedestal em forma de coluna.
Os dois drives holográficos do laboratório eram sincronizados e idênticos funcionavam como
backups redundantes para salvar cópias iguais de seu trabalho. A maioria dos protocolos de
armazenamento de dados recomendava um segundo sistema de backup que fosse externo ao local,
para o caso de haver um terremoto, um incêndio ou um roubo, mas Katherine e o irmão haviam
concordado que a confidencialidade era de suma importância; se aqueles dados saíssem dali para um
servidor externo, eles não poderiam mais ter certeza de que continuariam secretos. Convencida de
que tudo estava correndo bem ali, ela voltou pelo corredor. Ao fazer a curva, porém, viu algo
inesperado do outro lado do laboratório. Mas o que é isso? Um brilho difuso emanava de todo o
equipamento. Ela se apressou para examiná-lo, surpresa ao ver luz saindo de trás da divisória de
plexiglas da sala de controle. Ele está aqui. Katherine atravessou voando o laboratório, chegou à
porta da sala de controle e a abriu.
– Peter! - Disse, entrando às pressas.
A moça gorducha diante do terminal da sala de controle se sobressaltou.
– Ai, meu Deus! Katherine! Que susto você me deu!
Trish Dunne - a única outra pessoa na face da Terra com permissão para entrar ali - era a
analista de metassistemas de Katherine e raramente trabalhava nos fins de semana. A ruiva de 26
anos era um gênio em elaboração de modelos de dados e havia assinado um contrato de
confidencialidade digno da KGB. Naquela noite, estava aparentemente analisando dados no telão de
plasma que cobria a parede da sala de controle - um imenso monitor que parecia ter saído do centro
de controle de missões da NASA. 


– Desculpe - disse Trish. - Eu não sabia que você já tinha chegado. Estava tentando terminar
antes de você e seu irmão se reunirem.
– Você falou com ele? Ele está atrasado e não atende o celular. - Trish fez que não com a
cabeça.
– Aposto que ele ainda está tentando descobrir como usar o iPhone novo que você deu para ele.
Katherine gostava do bom humor de Trish e a presença da ruiva ali acabara de lhe dar uma
ideia.
– Na verdade, que bom que você está aqui hoje. Talvez possa me ajudar com uma coisinha, se
não se importar.
– Seja o que for, tenho certeza de que é melhor do que futebol.
Katherine respirou fundo, acalmando a própria mente.
– Não sei muito bem como explicar isso, mas hoje mais cedo ouvi uma história estranha...

Trish Dunne não sabia que história Katherine Solomon tinha escutado, mas algo a deixara
claramente nervosa. Os olhos cinzentos geralmente calmos de sua chefe pareciam ansiosos, e ela já
havia ajeitado os cabelos atrás das orelhas três vezes desde que entrara na sala - um sinal de
nervosismo, como Trish costumava dizer. Cientista brilhante. Péssima jogadora de pôquer.
– Para mim - disse Katherine -, essa história parece inventada... Tipo uma lenda antiga. Mas... -
Ela fez uma pausa, arrumando outra vez uma mecha atrás da orelha.
– Mas...?
Katherine deu um suspiro.
– Mas hoje uma fonte segura me disse que a lenda é verdadeira.
– Certo... - Aonde ela quer chegar com isso?
– Vou conversar com meu irmão a respeito, mas antes disso talvez você possa me ajudar a
lançar alguma luz sobre a questão. Adoraria saber se essa lenda foi corroborada em algum momento
da história.
– De toda a história? - Katherine assentiu.
– Em qualquer lugar do mundo, em qualquer idioma, em qualquer momento da história.
Um pedido estranho, pensou Trish, mas com certeza factível. Dez anos antes, a tarefa teria sido
impossível. Atualmente, porém, com a internet, a rede mundial de computadores e a crescente
digitalização de grandes bibliotecas e museus do mundo, o objetivo de Katherine podia ser alcançado
usando uma ferramenta de busca relativamente simples equipada com um exército de módulos de
tradução e algumas palavras-chave bem escolhidas.


– Sem problemas. - Disse Trish. Muitos dos livros de referência da biblioteca do laboratório
continham trechos em línguas antigas, de modo que ela várias vezes precisava elaborar módulos de
tradução específicos com base em Reconhecimento ótico de Caracteres, ou OCR, para gerar textos
em inglês a partir de línguas obscuras. Ela devia ser a única especialista em metas sistemas do
mundo a ter elaborado módulos desse tipo em frísio antigo, maek e acádio. Os módulos iriam ajudar,
mas o segredo para construir um agente de busca - ou web spider - eficaz era escolher as palavras-
chave certas. Específicas, mas não excessivamente restritivas.
Katherine parecia estar um passo à frente de Trish, pois já estava anotando algumas palavras
em um pedaço de papel. Depois de anotar várias, parou, pensou alguns instantes e incluiu outras.
– Pronto. - Disse por fim, entregando o papel a Trish. Trish percorreu rapidamente a lista de
strings a serem buscados, e seus olhos se arregalaram ao ver as seqüências de caracteres. Que tipo de
lenda maluca Katherine está investigando?
– Você quer procurar todas essas expressões-chave? - Uma das palavras Trish nem reconheceu.
Meu Deus, que língua é essa?
– Acha que vamos encontrar tudo isso em um lugar só? Ipsis litteris?
– Eu gostaria de tentar.
Trish teria dito impossível, mas a palavra que começava com i era proibida ali dentro.
Katherine considerava esse tipo de mentalidade perigosa numa disciplina que muitas vezes
transformava falsos pressupostos em verdades confirmadas. Trish Dunne duvidava seriamente que
aquela busca fosse entrar nessa categoria.
– Quanto tempo até termos os resultados? - Perguntou Katherine.
– Alguns minutos para programar o spider e disparar a pesquisa. Depois disso, talvez uns 15
para ele concluir a busca.
– Rápido assim? - Katherine parecia animada. Trish aquiesceu. As ferramentas de busca
convencionais muitas vezes levavam um dia inteiro para se arrastarem por todo o universo on-line,
encontrar novos documentos, digerir seu conteúdo e incluí-los na base de dados da pesquisa. Mas
Trish não iria programar algo simples assim.
– Vou escrever um programa chamado delegador. - Explicou Trish. - Não é lá muito católico,
mas é rápido. Essencialmente, é um software que coloca as ferramentas de busca de outras pessoas
para fazer o nosso trabalho. A maioria das bases de dados tem uma função de busca embutida...
Bibliotecas, museus, universidades, governos. Então eu vou programar um spider que encontra as
ferramentas de busca deles, insere as palavras-chave que você me deu e pede que eles façam a
pesquisa. Assim, nós aproveitamos a capacidade de milhares de ferramentas e fazemos com que elas
trabalhem simultaneamente. - Katherine parecia impressionada.
 

– Processamento paralelo. Uma espécie de metassistema.
– Eu chamo você se encontrar alguma coisa.
– Obrigada, Trish. - Katherine afagou-lhe as costas e se encaminhou para a porta. - Vou estar na
biblioteca.
Trish começou a escrever o programa. Codificar um spider de busca era uma tarefa menor, bem
abaixo de seu nível de competência, mas ela não ligava para isso. Faria qualquer coisa por Katherine
Solomon. Às vezes, Trish ainda não conseguia acreditar na sorte que a levara até ali. Você foi mais
longe do que imaginava, garota. Pouco mais de um ano antes, Trish havia deixado seu emprego
como analista de metas sistemas em uma das grandes empresas impessoais da indústria de alta
tecnologia. Nas horas vagas, trabalhava como programadora freelance e criou um blog sobre a
indústria - "Futuras Aplicações em Análise Computacional de Metassistemas" -, embora tivesse
dúvidas de que alguém o lesse. Então, certa noite, seu telefone tocou.
– Trish Dunne? - Indagou uma voz educada de mulher.
– Sim, sou eu. Quem está falando?
– Meu nome é Katherine Solomon.
Trish quase desmaiou ali mesmo. Katherine Solomon?
– Eu acabei de ler o seu livro, Ciência Noética: Portal Moderno para o Conhecimento Antigo.
Até escrevi sobre ele no meu blog!
É, eu sei. - Devolveu a mulher em tom cortês. - É por isso que eu estou ligando.
É claro que é por isso, percebeu Trish, sentindo-se uma boba. Mesmo os cientistas mais
brilhantes pesquisam o próprio nome no Google .
– Achei seu blog intrigante. - Disse-lhe Katherine. - Eu não sabia que os modelos de
metassistemas tinham avançado tanto.
– Pode crer que sim. - Conseguiu responder Trish, fascinada por estar falando com Katherine. -
Os modelos de dados são uma tecnologia em franca expansão que pode ser aplicada a diversas áreas.
As duas mulheres passaram vários minutos conversando sobre o trabalho de Trish com
metassistemas, falando sobre sua experiência de analisar, criar modelos e prever o fluxo de imensos
campos de dados.
É claro que o seu livro é avançado demais para mim - disse Trish -, mas eu entendi o
suficiente para ver uma interseção com meu trabalho sobre metassistemas.
– Você diz no seu blog que os modelos de metassistemas podem transformar o estudo da
noética?
– Com certeza. Eu acredito que os metassistemas poderiam transformar a noética em uma
ciência de verdade.



– Ciência de verdade? - O tom de Katherine ficou um pouco mais duro. - Ao contrário de...?
Ai, merda, que fora!
– Hã... O que eu quis dizer foi que a noética é mais... Esotérica. - Katherine deu uma risada.
– Relaxe, estou brincando. Ouço isso o tempo todo.
Não é de espantar, pensou Trish. Até mesmo o Instituto de Ciências Noéticas da Califórnia
descrevia a disciplina em uma linguagem misteriosa e difícil de entender, definindo-a como o estudo
do "acesso direto e imediato por parte da humanidade ao conhecimento além daquele disponível aos
nossos sentidos normais e ao poder da razão". A palavra noético, como Trish havia descoberto, vinha
do grego antigo nous-, que podia ser traduzido aproximadamente como "conhecimento interno" ou
"consciência intuitiva".
– Tenho interesse no seu trabalho com metassistemas - disse Katherine - e em como ele pode se
relacionar com um projeto no qual estou trabalhando. Você por acaso estaria disposta a me
encontrar? Eu adoraria lhe fazer algumas perguntas. -  Katherine Solomon quer me jazer umas
perguntas? Era como se Maria Sharapova tivesse lhe telefonado pedindo dicas sobre tênis.
No dia seguinte, um Volvo branco parou em frente à sua casa e uma mulher atraente e esguia
usando uma calça jeans saltou do carro. Trish na mesma hora se sentiu com meio metro de altura.
Que maravilha, resmungou consigo mesma. Inteligente, rica e magra - e eu ainda devo acreditar
que Deus é bom? Mas o jeito despretensioso de Katherine logo a deixou à vontade.
As duas se acomodaram na imensa varanda dos fundos de Trish com vista para a propriedade
de tamanho impressionante.
– Sua casa é incrível- comentou Katherine.
– Obrigada. Tive sorte na faculdade e vendi a licença de um software que tinha desenvolvido.
– Relacionado com metassistemas?
– Um precursor dos metassistemas. Depois do dia 11 de Setembro, o governo começou a
interceptar e analisar imensos campos de dados: e-mails de civis, ligações de celular, faxes,
mensagens de texto, sites na internet, tudo em busca de palavras-chave ligadas a comunicações entre
terroristas. Então, eu desenvolvi um software que lhes permitia processar seu campo de dados de
uma segunda forma, extraindo dele um outro produto de inteligência. - Ela sorriu. - Basicamente, o
meu software lhes permite medir a temperatura dos Estados Unidos.
– Como assim?
Trish riu. - É, eu sei que parece loucura. O que estou querendo dizer é que ele quantifica o
estado emocional do país. Proporciona uma espécie de barômetro da consciência cósmica, se preferir.
- Trish explicou como, usando um campo de dados constituído pelas comunicações do país, era
possível avaliar o humor da nação com base na "densidade de ocorrência" de determinadas palavras-


chave e indicadores emocionais no campo de dados. Épocas mais felizes tinham uma linguagem
mais feliz, e épocas de estresse tinham uma linguagem mais estressada. Em caso de atentado
terrorista, por exemplo, o governo poderia usar os campos de dados para estimar a mudança na
psique dos Estados Unidos e informar melhor o presidente sobre o impacto emocional do
acontecimento.
– Fascinante - comentou Katherine acariciando o queixo. – Então, você está basicamente
examinando uma população de indivíduos... Como se eles fossem um organismo único.
– Exato. Um metassistema. Uma entidade única definida pela soma de suas partes. O corpo
humano, por exemplo, é constituído por milhões de células individuais, cada qual com atribuições e
finalidades diferentes, mas funciona como uma entidade única.
Katherine aquiesceu, animada.
– Como um bando de pássaros ou um cardume que se move como se fosse uma coisa só. Nós
chamamos isso de convergência ou de entrelaçamento. - Trish sentiu que sua convidada famosa
estava começando a perceber o potencial da programação de metassistemas e sua aplicabilidade no
campo da ciência noética.
– O meu software - explicou Trish - foi criado para ajudar as agências governamentais a avaliar
melhor e reagir de maneira apropriada a crises em grande escala: pandemias, tragédias nacionais,
terrorismo, esse tipo de coisa. - Ela fez uma pausa. - É claro que nada impede que ele possa ser usado
para outras coisas... Talvez para capturar o estado de espírito do país em um dado momento e prever
o desfecho de uma eleição presidencial ou a direção em que o mercado de ações vai oscilar quando o
pregão abrir.
– Parece uma ferramenta poderosa. - Trish fez um gesto indicando sua casa.
– O governo, pelo menos, achou.
Então, os olhos cinzentos de Katherine se fixaram em Trish.
– Você se importa que eu pergunte sobre o dilema ético gerado pelo seu trabalho?
– Como assim?
– Quer dizer, você criou um software que pode facilmente ser usado para fins escusos. Quem
quer que o detenha possui acesso a informações poderosas que não estão disponíveis para todo
mundo. Você não ficou preocupada ao criá-lo?
Trish sequer pestanejou.
– De jeito nenhum. O meu software não é diferente de, digamos, um simulador de voo. Alguns
vão usá-lo como treino para missões aéreas de primeiros socorros em países subdesenvolvidos.
Outros para aprender a jogar aviões de passageiros contra arranha-céus. O conhecimento é uma
ferramenta e, como todas as ferramentas, seu impacto está nas mãos do usuário.



Katherine se recostou na cadeira, parecendo impressionada.
– Então deixe-me lhe fazer uma pergunta hipotética.
De repente, Trish percebeu que a conversa havia se transformado em uma entrevista de
emprego. Katherine estendeu o braço e recolheu um minúsculo grão de areia do piso da varanda,
erguendo-o para Trish ver.
– O que me parece - disse ela - é que, basicamente, seu trabalho sobre metassistemas permite
calcular o peso de toda a areia de uma praia, pesando um grão de cada vez.
– Basicamente, é isso mesmo.
– Como você sabe, este grãozinho de areia tem uma massa. Muito pequena, mas mesmo assim
uma massa.
Trish aquiesceu.
– E justamente pelo fato de este grão de areia ter uma massa, ele exerce uma força de
gravidade. Ela também é pequena demais para ser sentida, mas existe.
– Certo.
– Então - disse Katherine -, se nós pegarmos trilhões de grãos de areia como este e deixarmos
que atraiam uns aos outros para formar, digamos, a lua, a força de gravidade combinada deles será
suficiente para mover oceanos inteiros e fazer subir e descer as marés por todo o nosso planeta.
Trish não sabia aonde Katherine pretendia chegar, mas estava gostando do que ouvia.
– Então vamos elaborar uma hipótese. - Falou Katherine, descartando o grão de areia. - E se eu
dissesse a você que um pensamento, qualquer ideia minúscula que se forme na sua mente, possui
uma massa? E se eu lhe dissesse que um pensamento é uma coisa de verdade, uma entidade
mensurável, com uma massa mensurável? Minúscula, é claro, mas ainda assim uma massa. Quais
seriam as implicações disso?
– Hipoteticamente falando? Bem, as implicações óbvias seriam: se um pensamento tem massa,
então ele exerce uma força de gravidade e pode atrair coisas para si.
Katherine sorriu.
– Você é boa. Agora avance mais um passo. O que acontece se muitas pessoas começam a se
concentrar no mesmo pensamento? Todas as ocorrências desse mesmo pensamento passam a se
consolidar em uma só, e a massa acumulada dele começa a aumentar. Portanto, sua gravidade
aumenta.
– Certo. 
– O que significa que... Se um número suficiente de pessoas começar a pensar a mesma coisa,
então, a força gravitacional dessa ideia se torna tangível e exerce uma força de verdade. - Katherine
deu uma piscadela. - E ela pode ter um efeito mensurável no nosso mundo físico.
 

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