CAPÍTULO 2
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O homem que se apresentava como Mal'akh pressionou a ponta da
agulha no couro cabeludo
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raspado, suspirando de prazer enquanto o instrumento pontiagudo
entrava e saía de sua pele. O leve
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ronco do aparelho elétrico era viciante... Assim
como as espetadelas da agulha que
penetravam
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profundamente em sua derme para ali depositar o pigmento. Eu sou
uma obra-prima.
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O objetivo da tatuagem nunca foi a beleza. O objetivo era a
mudança. Desde os sacerdotes
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núbios escarificados de 2000 a.C. até as cicatrizes moko dos maoris
modernos, passando pelos
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acólitos tatuados do culto a Cibele na Roma antiga, os seres
humanos haviam se tatuado como uma
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forma de oferenda, um sacrifício parcial do próprio corpo, suportando a dor física do embelezamento
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e sendo por ela transformados. Apesar dos avisos ameaçadores em Levítico 19:28, que proibiam
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marcas na pele, as tatuagens se tornaram um rito de passagem
compartilhado por milhões de pessoas
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na era moderna - de adolescentes mauricinhos a viciados em
drogas e donas de casa suburbanas.
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O ato de tatuar a própria pele era uma transformadora
declaração de poder, um anúncio ao
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mundo: eu tenho controle sobre a minha própria carne. A embriagante sensação de poder advinda
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dessa transformação física deixara milhares de pessoas
viciadas em práticas de alteração corporal -
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cirurgia plástica, piercings, fisiculturismo,
anabolizantes e até mesmo bulimia e mudança de sexo. O
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espírito humano anseia por dominar seu invólucro carnal. O relógio de pêndulo de Mal'akh deu uma
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única badalada, e ele ergueu os
olhos. Seis e meia da tarde. Deixando as ferramentas de lado,
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envolveu o corpo nu de 1,90m no roupão de seda japonês de Kiryu e desceu o corredor. O ar
dentro
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da grande mansão estava pesado com o aroma pungente
de seus pigmentos para a pele e da fumaça
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das velas de cera de abelha que ele usava para esterilizar as
agulhas.
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Ao atravessar o corredor, o homem alto passou por antiguidades
italianas de preço inestimável
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- uma água-forte de Piranesi, uma cadeira Savonarola, uma lamparina de
prata Bugarini. Enquanto
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andava pela casa, olhou por uma janela que ia do chão até o teto para admirar o contorno clássico da
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paisagem distante. O domo luminoso do Capitólio reluzia com um poder solene
contra o céu escuro
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de inverno. É lá que ele está escondido, pensou. Está enterrado lá em algum lugar.
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Poucos eram os homens que sabiam da sua existência... E mais raros ainda os que
conheciam
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seu impressionante poder ou a forma engenhosa como havia sido
escondido. Até hoje, era o maior
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segredo não revelado daquele país. Os poucos que de fato conheciam a
verdade mantinham-na oculta
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atrás de um véu de símbolos, lendas e alegorias. Agora eles abriram suas portas para
mim, pensou
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Mal'akh. Três semanas antes, em um ritual
obscuro testemunhado pelos homens mais influentes dos
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ainda ativa no mundo. No entanto, apesar da nova posição de Mal'akh, os irmãos nada haviam
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revelado. E nem vão contar, sabia ele. Não era assim que funcionava. Havia círculos dentro de
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círculos... Irmandades dentro de irmandades. Mesmo que Mal'akh
esperasse muitos anos, talvez
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nunca viesse a conquistar sua total confiança.
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Felizmente, não precisava disso para descobrir seu
mais bem guardado segredo.
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Minha iniciação cumpriu seu objetivo.
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Animado com o que estava por vir, ele seguiu a passos largos até seu quarto de dormir.
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Espalhados por toda a casa, alto-falantes transmitiam os sons
fantasmagóricos de uma rara gravação
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de um castrato cantando o "Lux Aeterna" do Réquiem de Verdi - um lembrete de uma
vida anterior.
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Mal'akh acionou o controle remoto para fazer soar o tonitruante
"Dies Irae". Então, embalado por um
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fundo musical de furiosos tímpanos e quintas paralelas, disparou
escadaria de mármore acima, com o
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roupão a esvoaçar conforme galgava os degraus com as pernas musculosas.
Enquanto corria, sua
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barriga vazia reclamou com um ronco. Já fazia dois dias que Mal'akh estava
em jejum, bebendo
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apenas água, preparando o corpo segundo os antigos costumes. A sua fome
será saciada ao raiar do
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dia, lembrou a si mesmo. Assim como a sua dor.
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Mal'akh adentrou o santuário de seu quarto com uma atitude de
reverência, trancando a porta
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atrás de si. Enquanto seguia em direção ao toucador, parou, sentindo-se
atraído pelo enorme espelho
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dourado. Incapaz de resistir, virou-se para encarar o próprio reflexo. Vagarosamente, como
quem
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desembrulha um precioso presente, abriu o roupão para revelar o corpo nu. A visão o deixou
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maravilhado. Eu sou uma obra-prima.
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Seu imenso corpo estava todo raspado e liso. Ele baixou os olhos
primeiro para os pés,
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tatuados com as garras de um gavião. Mais acima, as pernas musculosas
desenhadas como pilastras
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esculpidas em relevo - a esquerda em espiral, a direita com
estrias verticais. Boaz e Jaquim. A virilha
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e o abdômen eram um arco decorado, acima do qual o peito forte exibia o
brasão da fênix de duas
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cabeças... Ambas em perfil, com os olhos aparentes formados por seus
mamilos. Os ombros, o
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pescoço, o rosto e a cabeça raspada estavam completamente
tomados por uma intrincada tapeçaria de
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símbolos e marcas.
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Eu sou um artefato... Um ícone em construção.
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Dezoito horas antes, um mortal tinha visto Mal'akh nu. O homem
soltara um grito de medo.
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– Meu Deus, você é um demônio!
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– Se é assim que você me vê... - Havia respondido Mal'akh,
ciente, como os antigos, de que
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anjos e demônios eram idênticos, arquétipos intercambiáveis, e de que tudo era uma questão de
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polaridade: o anjo guardião que derrotava o inimigo no campo
de batalha era considerado por ele um
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demônio destruidor.
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Mal'akh então inclinou o rosto para baixo,
obtendo uma visão oblíqua do próprio cocuruto. Ali,
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dentro do halo que parecia uma coroa, reluzia um pequeno círculo de pele clara, sem tatuagem.
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Aquela tela cuidadosamente preservada era o único pedaço de pele virgem do corpo de
Mal'akh. O
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lugar sagrado vinha aguardando pacientemente... E naquela noite
seria preenchido. Embora Mal'akh
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ainda não tivesse em mãos aquilo de que precisava para
completar sua obra-prima, sabia que a hora
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estava se aproximando depressa.
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Empolgado com o próprio reflexo, já podia sentir seu poder aumentar.
Fechou o roupão e
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andou até a janela, olhando novamente para a cidade mística à sua frente. Ele está enterrado lá em
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algum lugar.
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Tornando a se concentrar na tarefa em questão, Mal'akh foi até a penteadeira e, com cuidado,
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cobriu o rosto, o couro cabeludo e o pescoço com uma camada de corretivo até as tatuagens
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sumirem. Então vestiu as roupas e outros acessórios especiais que havia preparado
meticulosamente
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para aquela noite. Ao terminar, examinou-se no espelho.
Satisfeito, alisou o couro cabeludo com a
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palma suave de uma das mãos e sorriu.
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Ele está lá, pensou. E hoje à noite um homem vai me ajudar a
encontrá-lo.
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Enquanto saía de casa, Mal'akh se preparava para
o acontecimento que abalaria o prédio do
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Capitólio dos Estados Unidos naquela noite. Fizera um esforço imenso para colocar todas as peças
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