quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Capítulo 22 (O Simbolo Perdido)


CAPÍTULO 22

Enquanto andava de um lado para o outro da biblioteca, Katherine Solomon arregaçou a manga
do jaleco e conferiu o relógio. Não era uma mulher acostumada a esperar, mas, naquele momento,
tinha a sensação de que todo o seu mundo estava em suspenso. Estava à espera dos resultados do
spider de busca de Trish, de notícias do irmão e, para completar, do telefonema do homem
responsável por toda aquela situação angustiante.
Quem dera ele não tivesse me dito nada, pensou ela. Normalmente, Katherine era muito
cuidadosa ao conhecer pessoas novas e, embora tivesse encontrado aquele homem pela primeira vez
naquela tarde, ele havia conquistado sua confiança em poucos minutos. Integralmente. Katherine
recebera sua ligação mais cedo, quando estava em casa saboreando seu habitual prazer das tardes de
domingo: atualizar a leitura dos periódicos científicos da semana.
– Sra. Solomon? - Indagara uma voz estranhamente delicada. - Meu nome é Dr. Christopher
Abaddon. Gostaria de falar com a senhora um instante a respeito do seu irmão.
– Desculpe, mas quem está falando? - Perguntara ela. - E como foi que você arranjou meu
número de celular pessoal, Dr. Christopher Abaddon? - Repetiu Katherine, sem reconhecer o nome.
O homem pigarreou, como se a situação tivesse se tornado constrangedora.
– Desculpe, Sra. Solomon. Eu achei que o seu irmão tivesse lhe falado sobre mim. Sou o
médico dele. Seu celular estava listado como o contato de emergência dele.
O coração de Katherine deu um salto. Contato de emergência?
– Aconteceu alguma coisa?
– Não... Acho que não. - Respondeu o homem. - Peter faltou a uma consulta hoje de manhã, e
não estou conseguindo falar com nenhum dos telefones que ele me deu. Como seu irmão nunca falta
às consultas sem ligar antes, fiquei um pouco preocupado. Hesitei antes de ligar para a senhora,
mas...
– Não, o que é isso, não tem problema nenhum, obrigada pela preocupação. - Katherine ainda
estava tentando ligar o nome do médico à pessoa. - Desde ontem de manhã que não falo com meu
irmão, mas ele p
rovavelmente se esqueceu de ligar o celular. - Katherine recentemente lhe dera um
iPhone novo de presente, e ele ainda não havia se dado o trabalho de aprender a usá-lo.
– O senhor disse que é médico do meu irmão? - Perguntou ela. - Será que Peter está com
alguma doença e está escondendo isso de mim?
Houve uma pausa carregada na linha.

– Eu sinto muitíssimo, mas obviamente acabei de cometer um erro profissional bastante grave
ao lhe telefonar. Seu irmão me disse que a senhora sabia das visitas que ele fazia ao meu consultório,
mas agora estou vendo que não. 
Meu irmão mentiu para o próprio médico? Katherine estava ficando cada vez mais
preocupada.
– Ele está doente?
– Sinto muito, Sra. Solomon, o sigilo médico-paciente me impede de conversar sobre a saúde
do seu irmão, e eu já revelei demais dizendo que ele é meu paciente. Vou desligar agora, mas, se a
senhora tiver notícias dele, por favor, peça que me ligue para eu saber se está tudo bem.
– Espere! - Disse Katherine. - Por favor, me diga o que Peter tem.
O Dr. Abaddon respirou fundo, parecendo contrariado com o próprio erro. - Sra. Solomon,
estou vendo que a senhora está abalada e não posso culpá-la. Tenho certeza de que seu irmão está
bem. Ele esteve no meu consultório ontem mesmo.
– Ontem? E tem outra consulta hoje? Parece urgente. - O homem deu um suspiro.
– Sugiro darmos um pouco mais de tempo a ele antes de...
– Vou passar no seu consultório agora mesmo. - Disse Katherine, rumando para a porta. - Onde
o senhor atende? - Silêncio.
– Dr. Christopher Abaddon? - Indagou Katherine. - Eu mesma posso procurar seu endereço ou
o senhor pode simplesmente me dar. De toda forma, vou passar aí.
O médico fez uma pausa.
– Se nos encontrarmos, Sra. Solomon, por favor, não comente nada com seu irmão até eu ter a
oportunidade de lhe explicar meu equívoco.
– Tudo bem.
– Obrigado. Meu consultório fica em Kalorama Heights. - Ele lhe deu um endereço.
Vinte minutos depois, Katherine Solomon percorria as imponentes ruas de Kalorama Heights.
Tinha ligado para todos os telefones do irmão sem obter resposta. Ainda não estava excessivamente
preocupada com o seu paradeiro, mas, mesmo assim, a notícia de que ele vinha consultando um
médico era inquietante.
Quando Katherine finalmente localizou o endereço, ergueu os olhos para a casa, confusa. Isto
aqui é um consultório? A opulenta mansão à sua frente tinha uma cerca de segurança de ferro
forjado, câmeras eletrônicas e um luxuriante jardim. Quando ela diminuiu a velocidade para
confirmar o endereço, uma das câmeras girou na sua direção e o portão se abriu. Hesitante, Katherine
subiu a rampa de acesso para veículos e estacionou ao lado de uma garagem para seis carros e de
uma limusine.

Que tipo de médico esse cara é?
Quando ela desceu do carro, a porta da frente da mansão se abriu e uma figura elegante
apareceu no patamar. Era um homem bonito, excepcionalmente alto, e mais jovem do que ela havia
imaginado. Mesmo assim, transmitia a sofisticação e o refinamento de alguém mais velho. Estava
vestido de forma impecável com um terno escuro e uma gravata, seus grossos cabelos louros
penteados à perfeição.
– Sra. Solomon, Dr. Christopher Abaddon. - Disse ele com uma voz que era um sussurro rouco.
Quando Katherine apertou a mão dele, sentiu que sua pele tinha uma textura lisa e bem cuidada.
– Katherine Solomon. - Apresentou-se ela, tentando não ficar olhando demais para aquela pele
excepcionalmente lisa e bronzeada. Ele está usando maquiagem? Katherine sentiu uma inquietação
crescente ao entrar no hall mobiliado com requinte. Ouvia-se música clássica tocando baixinho ao
fundo, e no ar pairava um cheiro de incenso.
– Isso aqui é lindo - disse ela -, mas eu esperava algo mais parecido com um... Consultório.
– Tenho a sorte de trabalhar em casa. - O homem a conduziu até uma sala de estar onde
crepitava uma lareira acesa. - Por favor, sinta-se em casa. Estou fazendo um chá. Vou trazê-lo, aí
poderemos conversar. - Ele saiu andando em direção à cozinha e desapareceu.
Katherine Solomon não se sentou. A intuição feminina era um instinto poderoso no qual ela
havia aprendido a confiar, e alguma coisa naquele lugar a deixava toda arrepiada. Ela não enxergava
nada remotamente parecido com qualquer consultório médico que já tivesse visto na vida. As paredes
daquela sala de estar de estilo antiquado estavam cobertas de obras de arte antigas, sobretudo
quadros com estranhos temas místicos. Ela parou diante de uma grande tela representando as Três
Graças, cujos corpos nus estavam retratados de forma espetacular, em cores vívidas.
Éoóleo original de Michael Parkes. - O Dr. Abaddon apareceu de repente ao seu lado,
segurando uma bandeja de chá fumegante. - Pensei que talvez pudéssemos nos sentar junto à lareira.
- Ele a conduziu até lá e lhe ofereceu uma cadeira. - Não há motivo para a senhora ficar nervosa.
– Não estou nervosa. - Respondeu Katherine depressa demais. Ele lhe deu um sorriso
reconfortante.
– Na verdade, saber quando as pessoas estão nervosas é o meu trabalho.
– Como disse?
– Eu sou psiquiatra, Sra. Solomon. Essa é a minha profissão. Já faz quase um ano que estou
cuidando do seu irmão. Sou o terapeuta dele.
Tudo o que Katherine conseguiu fazer foi encará-lo. Meu irmão está fazendo terapia?

– Os pacientes muitas vezes preferem guardar segredo sobre o tratamento. - Disse o homem. -
Foi um equívoco de minha parte ligar para a senhora, embora possa dizer, em minha defesa, que seu
irmão me induziu ao erro.
– Eu... Eu não fazia ideia.
– Sinto muito se a deixei nervosa. - Disse ele, parecendo constrangido. - Reparei que a senhora
ficou analisando meu rosto quando nos apresentamos, e sim, eu uso maquiagem. - Ele tocou a
própria bochecha com um ar acanhado. - Tenho uma doença de pele que prefiro esconder. Em geral
quem me maquia é minha mulher, mas quando ela não está tenho que me contentar com minha
própria mão pesada.
Katherine assentiu com a cabeça, constrangida demais para falar.
– E estes lindos cabelos... - Ele tocou sua juba loura. - Isto é uma peruca. Minha doença de pele
também afetou os folículos do couro cabeludo e todos os meus cabelos caíram. - Ele deu de ombros.
- Temo que meu único pecado seja a vaidade.
– E aparentemente o meu é a grosseria. - Disse Katherine.
– De forma alguma. - O sorriso do Dr. Abaddon desarmaria qualquer um. - Vamos começar de
novo? Que tal com um pouco de chá?
Eles se sentaram em frente à lareira e Abaddon serviu.
– O seu irmão me fez adquirir o hábito de servir chá durante nossas sessões. Ele disse que os
Solomon gostam da bebida.
– Tradição de família. - Disse Katherine. - Puro, por favor.
Os dois passaram alguns minutos tomando o chá e jogando conversa fora, mas Katherine
estava ansiosa para obter informações sobre o irmão.
– Por que meu irmão veio procurar o senhor? - perguntou ela. - E por que ele não me disse
nada? - Era bem verdade que Peter havia sofrido mais tragédias na vida do que merecia: perder o pai
ainda jovem e, depois, em um intervalo de cinco anos, enterrar seu único filho e em seguida a mãe.
Mesmo assim, ele sempre havia encontrado uma forma de seguir em frente. O Dr. Abaddon tomou
um gole do chá.
– Seu irmão me procurou porque confia em mim. Temos uma ligação que vai além daquela que
existe normalmente entre paciente e médico. - Ele gesticulou na direção de um documento
emoldurado perto da lareira. Parecia um diploma, até Katherine distinguir a fênix de duas cabeças.
– O senhor é maçom? - E do grau mais elevado, ainda por cima.
– Peter e eu somos de certa forma irmãos.
– O senhor deve ter feito alguma coisa importante para ser convidado ao grau 33.
– Na verdade, não. - Respondeu ele. - Venho de uma família tradicional e faço muitas doações
a instituições de caridade maçônicas. - Katherine então percebeu por que o irmão confiava naquele
jovem médico. Um maçom de família rica interessado em filantropia e mitologia antiga? O Dr.
Abaddon tinha mais coisas em comum com seu irmão do que ela havia imaginado inicialmente.
– Quando perguntei por que meu irmão veio procurar o senhor - disse ela -, não estava
querendo saber por que ele o escolheu. O que eu quis dizer foi: por que ele está buscando os serviços
de um psiquiatra?
O Dr. Abaddon sorriu.
– Sim, eu sei. Eu estava tentando me esquivar educadamente da pergunta. Na verdade, nem
deveríamos estar conversando sobre isso. - Ele fez uma pausa. - Embora deva admitir que estou
intrigado pelo fato de seu irmão esconder da senhora as nossas conversas, considerando a ligação
estreita delas com a sua pesquisa.
– Minha pesquisa? - Disse Katherine, pega inteiramente de surpresa. - Meu irmão fala sobre a
minha pesquisa?
– Recentemente, ele me procurou em busca de uma opinião profissional sobre o impacto
psicológico das descobertas que a senhora está fazendo no seu laboratório.
Katherine quase engasgou com o chá.
É mesmo? Estou... Surpresa. - Ela conseguiu dizer. Onde Peter está com a cabeça? Ele
contou sobre o meu trabalho a este analista?! Segundo seu protocolo de segurança, eles não
deveriam conversar com ninguém sobre o trabalho de Katherine. Além disso, o sigilo fora ideia de
seu irmão.
– Com certeza, a senhora sabe que seu irmão se preocupa muito com o que vai acontecer
quando a sua pesquisa vier a público. Ele vê potencial para uma significativa mudança filosófica no
mundo... E veio aqui conversar sobre as possíveis ramificações... De um ponto de vista psicológico.
– Entendo. - Disse Katherine, com a xícara de chá agora tremendo um pouco.
– As questões sobre as quais nós conversamos são complexas: o que será da condição humana
quando os grandes mistérios da vida finalmente forem revelados? Quando de repente ficar provado
de maneira categórica que as crenças que nós aceitamos por fé... São fatos? Ou então quando elas
forem desmentidas como mitos? É possível argumentar que determinadas questões talvez devessem
ficar sem resposta. - Katherine não conseguia acreditar no que estava escutando, mas mesmo assim
controlou as emoções.
– Dr. Abaddon, espero que o senhor não se importe, mas prefiro não conversar sobre detalhes
do meu trabalho. Não tenho intenção alguma de levar nada a público no momento. Por enquanto, as
minhas descobertas vão permanecer trancadas na segurança do meu laboratório.
– Interessante. - Abaddon se recostou na cadeira e passou alguns instantes imerso em
pensamentos. - De toda forma, pedi que seu irmão voltasse hoje porque ontem ele teve uma espécie
de ruptura. Quando isso acontece, eu gosto que os clientes...
– Ruptura? - O coração de Katherine batia disparado. - Está querendo dizer um colapso
nervoso? - Não conseguia imaginar o irmão tendo um colapso por motivo algum. Abaddon estendeu
a mão, gentil.
– Por favor, estou vendo que a deixei perturbada. Sinto muito. Considerando as circunstâncias
estranhas, posso compreender que a senhora se sinta no direito de obter respostas.
– Quer eu tenha ou não esse direito - disse Katherine -, meu irmão é o único parente que me
resta. Ninguém o conhece melhor do que eu, então, se o senhor me disser o que diabos aconteceu
aqui, talvez eu possa ajudar. Nós dois queremos a mesma coisa: o melhor para Peter.
O Dr. Abaddon passou longos instantes em silêncio. Em seguida, começou a menear
lentamente a cabeça, como se Katherine pudesse ter razão. Por fim, tornou a falar.
– Que fique bem claro, Sra. Solomon: se eu decidir compartilhar essa informação com a
senhora, estarei fazendo isso apenas porque acho que suas opiniões podem me ser úteis para ajudar
seu irmão.
– Claro.
Abaddon se inclinou para a frente e apoiou os cotovelos nos joelhos.
– Sra. Solomon, desde que comecei a atender seu irmão senti nele um profundo conflito com
sentimentos de culpa. Nunca o pressionei em relação a isso, porque não foi por esse motivo que ele
me procurou. Mas ontem, por várias razões, eu finalmente lhe fiz perguntas sobre o assunto. -
Abaddon a encarou. - Ele se abriu de forma bastante emocional e inesperada, me disse coisas que eu
não esperava ouvir... Incluindo tudo o que aconteceu na noite em que a sua mãe morreu.
Véspera de Natal, quase exatamente 10 anos atrás. Ela morreu nos meus braços.
– Ele me disse que sua mãe foi assassinada durante uma tentativa de assalto à sua casa, não
foi? Um homem invadiu a residência de vocês procurando alguma coisa que achava que seu irmão
estivesse escondendo?
– Isso.
Os olhos de Abaddon a avaliavam.
– Seu irmão disse que matou o homem com um tiro?
– Sim.
Abaddon acariciou o queixo.
– A senhora se lembra do que o intruso estava procurando quando invadiu a casa?
Katherine havia passado 10 anos tentando em vão bloquear aquela lembrança.
– Sim, a exigência dele foi bem específica. Infelizmente, nenhum de nós sabia do que ele
estava falando. O que ele queria nunca fez sentido para nós.
– Bem, fez sentido para seu irmão.
– O quê? - Katherine se empertigou na cadeira.
– Pelo menos segundo a história que ele me contou ontem, Peter sabia exatamente o que o
intruso estava procurando. Mas, mesmo assim, ele não quis entregar o objeto, então fingiu que não
estava entendendo.
– Isso é um absurdo. Não havia como Peter saber o que aquele homem queria. As exigências
dele não faziam sentido!
– Interessante. - O Dr. Abaddon fez uma pausa e tomou algumas notas. - Mas, como eu disse,
Peter me falou que sabia, sim. Seu irmão acredita que, se houvesse cooperado com o intruso, talvez
sua mãe ainda estivesse viva. Essa decisão é a origem de toda a sua culpa.
Katherine sacudiu a cabeça. Mas que loucura... Abaddon afundou na cadeira, com ar de
preocupação.
– Sra. Solomon, o que a senhora acabou de me dizer foi útil. Como eu temia, seu irmão parece
ter sofrido uma pequena ruptura em relação à realidade. Devo admitir que já desconfiava disso. Foi
por esse motivo que pedi a ele que voltasse hoje. Esses episódios delirantes não são incomuns no que
diz respeito a lembranças traumáticas.
Katherine tornou a sacudir a cabeça.
– Peter não é homem de ter delírios, Dr. Abaddon.
– Concordo, mas...
– Mas o quê?
– Mas o que ele me disse sobre o ataque foi só o começo... Uma ínfima fração da longa e
improvável história que me contou. - Katherine se inclinou para a frente na cadeira.
– O que foi que Peter contou ao senhor? - Abaddon deu um sorriso triste.
– Sra. Solomon, deixe-me fazer uma pergunta. Seu irmão alguma vez conversou com a senhora
sobre o que ele acredita estar escondido aqui em Washington... Ou sobre o papel que ele acredita ter
na proteção de um grande tesouro relacionado a um conhecimento antigo perdido?
O queixo de Katherine caiu.
– Do que o senhor está falando?
O Dr. Abaddon soltou um longo suspiro.
– O que eu vou lhe contar vai ser um pouco chocante, Katherine. - Ele fez uma pausa e a
encarou nos olhos. - Mas, se você puder me dizer qualquer coisa que souber a respeito, será de uma
utilidade incalculável. - Ele estendeu a mão para a xícara dela. - Mais chá?

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