sábado, 22 de dezembro de 2012

Capítulo 29 (O Simbolo Perdido)


CAPÍTULO 29

Os faróis que subiam a rampa de acesso arborizada do CAMS eram os primeiros que o
segurança tinha visto na última hora. Diligente, ele abaixou o volume da TV portátil e guardou o
lanche debaixo do balcão. Péssima hora. Os Redskins estavam completando sua primeira sequência
de ataque, e ele não queria perder aquilo.
À medida que o carro se aproximava, o segurança verificou o nome no bloco de anotações à
sua frente. Dr. Christopher Abaddon.
Katherine Solomon tinha acabado de ligar para avisar à segurança sobre a chegada iminente
daquele convidado. O vigia nem imaginava quem poderia ser aquele médico, mas aparentemente ele
era muito bom no que fazia: estava chegando numa elegante limusine preta. O carro parou ao lado da
guarita e a janela de vidraça escurecida do motorista desceu sem fazer ruído.
– Boa noite. - Disse o chofer, erguendo o quepe. Era um homem corpulento, de cabeça raspada.
Estava escutando o jogo no rádio do carro. - Estou trazendo o Dr. Christopher Abaddon para
encontrar a Sra. Katherine Solomon.
O segurança aquiesceu.
– Identidade, por favor.
O chofer pareceu surpreso.
– Desculpe, a Sra. Solomon não avisou?
O segurança tornou a aquiescer, olhando de relance para a TV.
– Mesmo assim preciso escanear e registrar a identidade dos visitantes. Sinto muito, é o
regulamento. Preciso ver o documento do doutor.
– Sem problemas. - O chofer virou para trás e falou em voz baixa através da divisória que
garantia a privacidade dos passageiros. Enquanto ele fazia isso, o segurança deu outra espiada no
jogo. Os Redskins estavam entrando em formação e ele esperava liberar aquela limusine antes da
jogada seguinte.
O chofer tornou a se virar para a frente e estendeu o documento que aparentemente acabara de
receber pela divisória.
O segurança pegou a carteira de motorista e a escaneou rapidamente, incluindo-a no seu
sistema. Ela fora emitida em Washington e pertencia a um tal de Christopher Abaddon, domiciliado
em Kalorama Heights. A foto mostrava um senhor louro e atraente usando um blazer, uma gravata e
um lenço dobrado no bolso da frente. Que tipo de figura vai tirar carteira de motorista com um
lenço dobrado no bolso do paletó?
O segurança ouviu um grito de comemoração e virou para a TV bem a tempo de ver um
jogador dos Redskins fazendo uma dancinha com o dedo apontado para o céu.
– Perdi. - Resmungou, tornando a se virar para a janela. - Tudo certo - Disse, devolvendo a
carteira para o chofer. – Pode passar.
Enquanto a limusine entrava, o segurança voltou a prestar atenção na TV, torcendo para
passarem um replay.
Ao conduzir a limusine pela sinuosa rampa de acesso, Mal'akh não conseguiu conter um
sorriso. Tinha sido muito fácil entrar no museu secreto de Peter Solomon. E mais prazeroso ainda:
aquela era a segunda vez em 24 horas que Mal'akh invadia espaços exclusivos de Solomon. Na noite
anterior, havia feito uma visita semelhante à residência dele. Embora Solomon tivesse uma
propriedade rural magnífica em Potomac, passava a maior parte do tempo na cidade, na cobertura do
seu luxuoso edifício, o Dorchester Arms. O prédio, assim como boa parte dos que serviam de
residência para os super-ricos, era uma verdadeira fortaleza. Muros altos.
Guaritas. Listas de convidados. Estacionamento subterrâneo protegido.
Mal'akh tinha encostado aquela mesma limusine junto à guarita do prédio, erguido o quepe de
motorista da cabeça raspada e afirmado:
– Estou trazendo o Dr. Christopher Abaddon. Ele é convidado do Sr. Peter Solomon. - Mal'akh
pronunciara as palavras como se estivesse anunciando a chegada do duque de York.
O segurança verificou um registro e, em seguida, a identidade de Abaddon.
– Sim, estou vendo que o Sr. Solomon está esperando o Sr. Abaddon. - Ele apertou um botão e
o portão se abriu. - O Sr. Solomon mora na cobertura. Peça para o seu convidado usar o último
elevador à direita. Ele sobe até o último andar.
– Obrigado. - Mal'akh inclinou de leve o quepe e passou pela guarita.
Enquanto se dirigia aos fundos da garagem, olhou ao redor em busca de câmeras de segurança.
Não viu nenhuma. Aparentemente, quem morava ali não era do tipo que arrombava carros nem que
gostava de ser vigiado. Mal'akh estacionou em um canto escuro perto dos elevadores, abaixou a
divisória entre o compartimento do motorista e o dos passageiros e passou pela abertura até a parte
de trás da limusine. Ali, livrou-se do quepe de chofer e colocou a peruca loura. Endireitando o paletó
e a gravata, olhou-se no espelho para se certificar de que não havia borrado a maquiagem. Mal'akh
não estava disposto a correr nenhum risco. Não naquela noite.
Esperei demais por isso.
Segundos depois, estava entrando no elevador particular. A subida até o último andar foi
silenciosa e suave. Quando a porta se abriu, ele se viu em um hall de entrada elegante e privativo.
Seu anfitrião já estava à sua espera.
– Dr. Abaddon, seja bem-vindo.
Mal'akh encarou os famosos olhos cinzentos do homem e sentiu o coração bater mais
acelerado.
– Sr. Solomon, obrigado por me receber.
– Por favor, pode me chamar de Peter. - Os dois homens se cumprimentaram com um aperto de
mãos. Quando suas palmas se tocaram, Mal'akh viu o anel de ouro maçônico na mão do homem mais
velho... A mesma que certa vez havia apontado uma arma para ele. Uma voz sussurrou de seu
passado distante. Se você apertar esse gatilho, vou assombrá-lo para sempre.
– Entre, por favor. - Disse Solomon, conduzindo Mal'akh até uma elegante sala de estar, cujas
amplas janelas proporcionavam uma vista estupenda do horizonte coberto de edifícios de
Washington.
É de chá este cheiro que estou sentindo? - Perguntou Mal'akh ao entrar.
Solomon pareceu impressionado.
– Meus pais sempre recebiam convidados com chá. Eu mantive essa tradição. - Ele conduziu
Mal'akh até a parte da sala em que um serviço de chá aguardava em frente à lareira.
– Creme e açúcar?
– Puro, obrigado.
Solomon pareceu novamente impressionado.
– Um purista. - Ele serviu a ambos uma xícara de chá-preto. - Você disse que precisava
conversar comigo sobre um assunto de natureza delicada e que só podia ser discutido em particular.
– Obrigado. Fico grato pelo seu tempo.
– Você e eu agora somos irmãos maçônicos. Temos um vínculo. Diga-me como posso ajudá-lo.
– Em primeiro lugar, eu gostaria de lhe agradecer pela honra do grau 33 alguns meses atrás.
Isso significa muito para mim.
– Fico satisfeito, mas, por favor, saiba que essas decisões não são só minhas. Elas são tomadas
por votação no Supremo Conselho.
– Claro. - Mal'akh desconfiava que Peter Solomon provavelmente votara contra ele, mas, entre
os maçons, como em qualquer coisa na vida, dinheiro era poder. Depois de alcançar o grau 32 em sua
própria loja, Mal'akh esperara apenas um mês para fazer uma doação de muitos milhões de dólares
para caridade em nome da Grande Loja Maçônica. Esse ato espontâneo de altruísmo, conforme
Mal'akh previra, havia bastado para lhe valer um rápido convite para integrar a elite do grau 33.
Ainda assim, até agora nenhum segredo me foi revelado.
Apesar dos boatos de longa data - "Tudo é revelado no grau 33" -, ninguém lhe contara nada
que fosse relevante para sua busca. Mas nunca havia esperado que fosse diferente. O círculo interno
da Francomaçonaria continha círculos ainda menores... Aos quais Mal'akh ainda iria levar muitos
anos para ter acesso, se é que um dia teria. Mas não dava importância a isso. Sua iniciação cumprira
seu objetivo. Algo único e singular acontecera dentro daquela Sala do Templo, algo que dera a
Mal'akh poder sobre todos eles. Eu não obedeço mais às suas regras.
– Sabia - disse Mal'akh, tomando um gole do chá - que nós dois nos conhecemos muitos anos
atrás?
Solomon fez cara de surpresa.
É mesmo? Não me recordo.
– Faz bastante tempo... - E Christopher Abaddon não é meu nome verdadeiro.
– Sinto muito. Devo estar ficando velho. Pode me lembrar de onde eu o conheço?
Mal'akh sorriu uma última vez para o homem que mais detestava na face da Terra.
É uma pena você não se lembrar.
Com um único movimento gracioso, Mal'akh tirou do bolso um pequeno instrumento e o
estendeu para a frente, pressionando-o com força contra o peito do outro. Houve um clarão azul e
pode-se ouvir o nítido chiado da descarga de uma arma de choque, seguido por um arquejo de dor
quando um milhão de volts de eletricidade percorreram o corpo de Peter Solomon. Seus olhos se
esbugalharam e ele afundou inerte na cadeira. Mal'akh então se levantou, avultando-se sobre o outro
homem, salivando feito um leão prestes a devorar a presa ferida. Solomon arquejava, lutando para
respirar.
Mal'akh viu medo nos olhos de sua vítima e se perguntou quantas pessoas já tinham visto o
grande Peter Solomon se encolher de pavor. Saboreou aquela cena durante um longo minuto.
Enquanto esperava o homem recuperar o fôlego, tomou um gole do chá. Em meio a espasmos,
Solomon tentava falar.
– P... Por quê? - Ele conseguiu dizer por fim.
– Por que você acha? - Perguntou Mal'akh. Solomon parecia genuinamente perplexo.
– Você quer... Dinheiro?
Dinheiro? Mal'akh riu e tomou outro gole de chá.
– Eu doei milhões de dólares aos maçons. Não preciso de riquezas. - Vim a trás de
conhecimento, e ele me oferece riquezas.
– Então... O que você quer?
– Você detém um segredo. Hoje à noite vai compartilhá-lo comigo.
Solomon se esforçou para erguer o queixo de modo a encarar Mal'akh nos olhos.
– Não estou... Entendendo.
– Chega de mentiras! - Gritou Mal'akh, avançando até ficar a poucos centímetros do homem
paralisado. - Eu sei o que está escondido aqui em Washington.
Uma expressão desafiadora animava os olhos cinzentos de Solomon.
– Não faço ideia do que você está falando!
Mal'akh deu outro gole no chá e pousou a xícara sobre um porta-copos.
– Você me disse essas mesmas palavras há 10 anos, na noite em que sua mãe morreu.
Os olhos de Solomon se arregalaram.
– Você...?
– Ela não precisava ter morrido. Se você tivesse me dado o que eu pedi...
O rosto do homem mais velho se contorceu, transformando-se em uma máscara de horror na
qual se misturavam reconhecimento... E incredulidade.
– Eu avisei - disse Mal'akh - que se você puxasse o gatilho eu iria assombrá-lo para sempre.
– Mas você está...
Mal'akh avançou, tornando a pressionar com força a arma de choque contra o peito de
Solomon. Houve outro clarão azul, e Solomon ficou totalmente inerte.
Mal'akh guardou a pistola no bolso, terminando de beber seu chá com calma. Quando acabou,
enxugou a boca com um guardanapo de linho bordado com um monograma e olhou para sua vítima.
– Vamos?
O corpo de Solomon estava imóvel, mas seus olhos continuavam arregalados e alertas.
Mal'akh se agachou perto dele e sussurrou no seu ouvido.
– Vou levar você a um lugar onde só a verdade permanece. - Sem mais nenhuma palavra,
Mal'akh embolou o guardanapo com o monograma e o enfiou dentro da boca de Solomon. Então,
ergueu o corpo flácido do homem sobre os ombros largos e encaminhou-se para o elevador privativo.
Na saída, recolheu da mesa do hall o iPhone e as chaves de Solomon. Hoje à noite você vai me
contar todos os seus segredos, pensou Mal'akh. Inclusive por que me abandonou tantos anos atrás
como se eu tivesse morrido.

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