CAPÍTULO 34
|
|
Trish Dunne entrou na recepção do CAMS e ergueu os olhos,
surpresa. O convidado que a
|
esperava ali não se parecia em nada com os doutores
que freqüentavam aquele complexo -ratos de
|
biblioteca vestindo roupas de flanela com pós-graduação em antropologia, oceanografia,
geologia e
|
outras disciplinas científicas. Muito pelo contrário: com seu terno impecavelmente
cortado, o Dr.
|
Abaddon parecia quase aristocrático. Era alto, tinha o peito largo,
o rosto bronzeado e cabelos louros
|
penteados com esmero, dando a Trish a impressão de que ele estava mais acostumado
ao luxo do que
|
aos laboratórios.
|
– Dr. Abaddon, suponho? - Disse ela estendendo a mão.
|
O homem pareceu hesitar, mas segurou a mão gorducha de Trish dentro de sua
palma larga.
|
– Desculpe. A senhora é...?
|
– Trish Dunne. - Respondeu ela. - Sou assistente de Katherine.
Ela me pediu para acompanhá-
|
lo até o laboratório.
|
– Ah, entendo. - O homem então sorriu. - Muito prazer em conhecê-la, Trish. Sinto muito se
|
pareci confuso. Pensei que Katherine estivesse sozinha aqui
hoje. - Ele gesticulou na direção do
|
corredor. - Mas sou todo seu. Você primeiro.
|
Apesar de ele ter se recuperado depressa, Trish notara o lampejo
de decepção em seus olhos.
|
Ela começou a suspeitar que a discrição de sua chefe em relação ao Dr. Abaddon tinha um motivo. O
|
início de um romance, quem sabe? Katherine nunca conversava sobre
sua vida pessoal, mas aquele
|
visitante era atraente e bem-apessoado e, embora mais jovem do
que ela, vinha claramente do mesmo
|
mundo de riqueza e privilégio. Ainda assim, fossem quais
fossem as esperanças do Dr. Abaddon em
|
relação à visita daquela noite, a presença de Trish não parecia fazer parte de seus
planos.
|
No posto de segurança do saguão, um agente solitário retirou depressa os fones de
ouvido, e
|
Trish pôde ouvir o clamor do jogo dos Redskins. O vigia fez o doutor
passar pela costumeira rotina
|
de detectores de metal e crachás de segurança temporários.
|
– Quem está ganhando? - Perguntou com simpatia o Dr. Abaddon, enquanto
tirava dos bolsos
|
um celular, algmas chaves e um isqueiro.
|
– Os Skins, por três pontos - Respondeu o segurança, parecendo ansioso para voltar ao
jogo. -
|
Partida incrível.
|
– O Sr. Solomon vai chegar daqui a pouco. - Disse Trish ao
vigia. - Poderia pedir a ele que nos
|
encontre no laboratório assim que chegar?
|
– Pois não. - Quando eles passaram, o segurança deu uma piscadela agradecida. -
Obrigado por
|
me avisar. Vou disfarçar melhor.
|
O comentário de Trish não tinha sido apenas para avisar o
segurança, mas também para
|
lembrar ao Dr. Abaddon que ela não era a única intrusa em sua noite particular
ali com Katherine.
|
– De onde o senhor conhece Katherine? - Perguntou Trish,
erguendo os olhos para o misterioso
|
convidado.
|
O Dr. Abaddon deu uma risadinha.
|
– Ah, é uma longa história. Estamos trabalhando juntos em
uma coisa.
|
Entendi, pensou Trish. Não é da minha conta.
|
– Este lugar é realmente incrível - Comentou Abaddon, olhando em
volta enquanto avançavam
|
pelo enorme corredor. - Na verdade é a primeira vez que venho aqui. - O
seu tom ia ficando mais
|
agradável a cada passo, e Trish percebeu que ele estava se empenhando
em assimilar tudo o que o
|
cercava. À luz forte do corredor, notou também que o bronzeado do rosto dele
parecia artificial. Que
|
estranho. De qualquer forma, enquanto percorriam os corredores
desertos, Trish foi lhe fazendo um
|
resumo do objetivo e da função do CAMS, enumerando os vários galpões e aquilo que continham.
|
O visitante pareceu impressionado.
|
– Parece que este lugar é um baú do tesouro cheio de artefatos
inestimáveis. Eu teria imaginado
|
seguranças por toda parte.
|
– Não há necessidade. - Disse Trish, gesticulando na direção das lentes grande-angulares que
|
se enfileiravam ao longo do teto muito alto. - A segurança aqui é toda automatizada. Cada centímetro
|
deste corredor é filmado 24 horas por dia, 7 dias
por semana, e ele é a espinha dorsal do complexo. É
|
impossível entrar em qualquer sala deste corredor sem um cartão de acesso e uma senha.
|
– Que modo eficiente de usar as câmeras.
|
– Felizmente nunca tivemos nenhum roubo. Mas, pensando bem, este
não é o tipo de museu
|
que alguém iria roubar... Não há muita demanda no mercado negro por
flores extintas, caiaques
|
inuítes ou carcaças de lulas gigantes.
|
O Dr. Abaddon deu uma risadinha.
|
– Acho que tem razão.
|
– A maior ameaça à nossa segurança são os roedores e os insetos. - Trish
explicou como o
|
CAMS evitava pragas de insetos congelando todo o lixo produzido
ali e também graças a um recurso
|
arquitetônico chamado "zona morta": um compartimento inóspito entre paredes duplas que
cercava o
|
complexo todo feito um escudo.
|
– No Galpão 5. - Respondeu ela. - Bem no final deste corredor. - Abaddon
parou de repente,
|
girando o corpo para a direita em direção a uma pequena janela.
|
– Nossa! Olhe só para isso! - Trish riu.
|
– É, aqui é o Galpão Três. É conhecido como Galpão Molhado.
|
– Molhado? - Repetiu Abaddon, com o rosto colado no vidro.
|
– Aí dentro tem mais de 11 mil litros de etanol líquido. O senhor se lembra da carcaça de lula
|
gigante de que falei?
|
– Aquilo ali é a lula?! - O Dr. Abaddon virou para
Trish com os olhos arregalados. - É imensa!
|
– Uma Architeuthis fêmea. - Disse Trish. - Tem mais de 12
metros.
|
Aparentemente fascinado pela visão da lula, o Dr. Abaddon parecia
incapaz de desgrudar os
|
olhos do vidro. Por alguns instantes, aquele homem-feito fez
Trish pensar em um menininho diante
|
da vitrine de uma loja de animais, desejando poder entrar para
ver um filhote de cachorro. Cinco
|
segundos depois, ele continuava olhando pela janela, enlevado.
|
– Está bem, está bem. - Disse Trish por fim, rindo enquanto inseria seu cartão de acesso e
|
digitava a senha. - Venha. Vou lhe mostrar a lula.
|
|
Ao entrar no mundo fracamente iluminado do Galpão 3, Mal'akh vasculhou as paredes em
|
busca de câmeras de segurança. A assistente baixinha e gorducha
de Katherine começou a discorrer
|
sobre os espécimes guardados ali. Mal'akh parou
de prestar atenção no que ela dizia. Não tinha o
|
menor interesse em lulas gigantes. Queria apenas usar aquele
espaço escuro e isolado para solucionar
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário