terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Capítulo 37 (O Simbolo Perdido)


CAPÍTULO 37

Mal'akh já vira alguns lugares sinistros na vida, mas poucos se comparavam ao mundo
extraterrestre do Galpão 3. Galpão Molhado. A sala imensa dava a impressão de que um cientista
louco havia invadido um supermercado e preenchido cada corredor e gôndola com jarros de todos os
formatos e tamanhos contendo espécimes. Iluminado como um laboratório de fotografia, o espaço
estava banhado por uma névoa vermelha de "luz de segurança" que vinha de baixo das prateleiras e
subia para clarear os recipientes cheios de álcool etílico. O cheiro hospitalar de conservantes
químicos era nauseante.
– Este galpão abriga mais de 20 mil espécies. - Disse a moça gordinha. - Peixes, roedores,
mamíferos, répteis.
– Todos mortos, espero. - Disse Mal'akh, fingindo nervosismo. A moça riu.
– Sim, sim. Todos mortinhos da silva. Confesso que passei seis meses trabalhando aqui sem ter
coragem de entrar neste galpão.
Mal'akh podia entender por quê. Para onde quer que olhasse, se deparava com seres mortos
envasados: salamandras, águas-vivas, ratos, besouros, pássaros e outras coisas que ele era incapaz de
identificar. Como se essa coleção já não fosse suficientemente perturbadora, as tênues luzes de
segurança que protegiam os espécimes fotossensíveis da exposição prolongada à claridade davam ao
visitante a sensação de estar parado dentro de um gigantesco aquário, no qual criaturas sem vida
haviam de alguma forma se reunido para espiá-lo das sombras.
– Aquilo ali é um celacanto. - Disse a moça, apontando para um grande recipiente de plexiglas
contendo o peixe mais feio que Mal'akh já tinha visto na vida. - Antigamente se pensava que eles
tivessem sido extintos junto com os dinossauros, mas esse daí foi capturado na África alguns anos
atrás e doado para o Smithsonian.
Que sorte a sua, pensou Mal'akh, mal escutando o que ela dizia. Estava ocupado correndo os
olhos pelas paredes em busca de câmeras de segurança. Viu apenas uma apontada para a porta de
entrada, o que não era nenhuma surpresa, já que aquela era provavelmente a única forma de se entrar
ali.
– E aqui está o que o senhor queria ver... - Disse a moça, conduzindo-o até o tanque gigante
que ele tinha avistado pela janela. - Nosso maior espécime. - Ela gesticulou indicando a criatura
abominável, como o apresentador de um programa de auditório exibindo um automóvel novo. - A
Architeuthis. O tanque da lula parecia várias cabines telefônicas deitadas de lado e acopladas umas às
outras. Dentro daquele longo e transparente caixão de plexiglas boiava um vulto repulsivamente

pálido e amorfo. Mal'akh baixou os olhos para a cabeça bulbosa, parecendo um saco frouxo, e para
os olhos do tamanho de bolas de basquete.
– Perto dela, seu celacanto é quase bonito.
– Espere até vê-la iluminada.
Trish retirou a enorme tampa do tanque. Vapores de etanol emanaram do seu interior quando
ela pôs a mão lá dentro e acendeu um interruptor logo acima da superfície do líquido. A Architeuthis
então se iluminou em toda a sua glória - uma cabeça colossal presa a uma escorregadia massa de
tentáculos apodrecidos e ventosas afiadas feito navalhas. Ela começou a contar como a lula gigante
era capaz de derrotar um cachalote em um combate.
Mal'akh escutava apenas um blá-blá-blá sem sentido. Havia chegado a hora.

Trish Dunne sempre ficava um pouco nervosa no Galpão 3, mas o calafrio que acabara de
percorrer seu corpo era diferente.
Visceral. Primitivo.
Ela tentou ignorar a sensação que aumentava depressa, tomando conta dela. Embora Trish não
conseguisse identificar a origem de sua ansiedade, seu instinto lhe dizia claramente que era hora de
sair dali.
– Enfim, essa é a lula. - Disse ela, pondo a mão dentro do tanque e desligando a iluminação
especial. - Acho que é melhor voltarmos para onde Katherine...
Uma imensa mão apertou com força sua boca, puxando-lhe a cabeça para trás. No mesmo
instante, um braço potente envolveu seu tronco, prendendo-a contra um peito duro feito pedra.
Durante uma fração de segundo, o choque deixou Trish anestesiada. Então veio o terror.
O homem tateou seu peito, agarrando seu cartão de acesso e puxando com força. O cordão
queimou sua nuca antes de se partir. O cartão caiu aos pés dos dois. Ela lutou, tentando se
desvencilhar, mas não era páreo para o tamanho e a força daquele homem. Tentou gritar, mas a mão
dele continuava a tapar-lhe a bora. Ele se abaixou, colando os lábios no seu ouvido e sussurrando:
– Quando eu tirar a mão da sua boca, você não vai gritar, entendido?
Ela balançou a cabeça vigorosamente, com os pulmões ardendo. Não consigo respirar!
O homem retirou a mão de sua boca e Trish arquejou, inspirando fundo.
– Me solte! - P ediu ela, ofegante. - Que diabo está fazendo?
– Me diga a sua senha. - Falou o homem.
Trish estava completamente atônita. Katherine! Socorro! Que homem é esse?
– A segurança está vendo você! - Disse ela, sabendo muito bem que os dois estavam fora do
alcance das câmeras. E ainda por cima não tem ninguém olhando.
– A sua senha. - Repetiu o homem. - A que corresponde ao seu cartão de acesso.
Um medo gélido revirou suas entranhas e Trish girou o corpo com violência, soltando um dos
braços e se virando para enfiar as unhas nos olhos do homem. Seus dedos arranharam sua bochecha.
Quatro talhos se abriram na carne dele. Trish então percebeu que aquelas listras escuras não eram
sangue. O homem estava usando maquiagem e, ao arranhá-la, ela havia revelado as tatuagens escuras
escondidas por baixo. Quem é esse monstro?!
Com uma força aparentemente sobre-humana, ele girou o corpo dela e a ergueu do chão,
empurrando-a pela borda do tanque aberto e deixando seu rosto logo acima do etanol. Os vapores
queimaram suas narinas.
– Qual é a sua senha? - Repetiu ele.
Os olhos de Trish ardiam e ela pôde ver a carne pálida da lula submersa abaixo de seu rosto.
– Me fale. - Disse ele, aproximando mais seu rosto da superfície. - Qual é?
A garganta dela agora ardia.
– 0-8-0-4! - Disparou ela, mal conseguindo respirar. - Me solte! 0-8-0-4!
– Se estiver mentindo... - Disse ele, empurrando-a mais para baixo até seus cabelos tocarem o
etanol. - Eu não estou mentindo! - Disse ela, tossindo.
– Dia 4 de agosto! É o meu aniversário!
– Obrigado, Trish. - As mãos vigorosas apertaram ainda mais a cabeça dela e uma força
esmagadora a empurrou para baixo, mergulhando seu rosto no tanque. Uma dor excruciante queimou
seus olhos. O homem empurrou com mais força, afundando toda a cabeça dela no etanol. Trish sentiu
o rosto ser pressionado contra a cabeça polpuda da lula. Reunindo todas as suas forças, ela arqueou
violentamente o corpo, vergando-se para trás numa tentativa desesperada de tirar a cabeça do tanque.
Mas as mãos poderosas não saíram do lugar.
Preciso respirar!
Ela continuou submersa, lutando para não abrir os olhos nem a boca. Seus pulmões queimavam
enquanto ela resistia à poderosa ânsia de respirar. Não! Não faça isso! Mas o reflexo de inalação de
Trish finalmente a dominou. Sua boca se abriu por inteiro e seus pulmões se expandiram
violentamente, tentando sugar o oxigênio de que seu corpo precisava. Em um jato ardente, uma onda
de etanol penetrou sua boca. Quando o produto químico desceu por sua garganta até chegar aos
pulmões, Trish sentiu uma dor que jamais imaginara ser possível. Misericordiosamente, a dor só
durou alguns segundos antes de seu mundo cair na escuridão.

Mal'akh permaneceu em pé ao lado do tanque, recuperando o fôlego e avaliando os estragos.
A moça sem vida pendia da borda, com o rosto ainda mergulhado no etanol. Ao vê-la ali,
Mal'akh teve um lampejo da única outra mulher que havia matado. Isabel Solomon.
Muito tempo atrás. Em outra vida.
Mal'akh então olhou para o cadáver flácido à sua frente. Segurou os quadris largos da moça e
deu um impulso para cima com as pernas, erguendo-a e empurrando-a até ela deslizar pela borda do
tanque. A cabeça de Trish Dunne escorregou para dentro do etanol. O resto de seu corpo foi atrás,
submergindo. Aos poucos, as ondulações da superfície cessaram, deixando a mulher a flutuar,
lânguida, por cima da imensa criatura marinha. À medida que suas roupas ficavam mais pesadas, ela
começou a afundar, boiando rumo à escuridão. Pouco a pouco, o corpo de Trish Dunne se assentou
sobre o grande animal.
Mal'akh limpou as mãos e tornou a pôr a tampa de plexiglas, lacrando o tanque.
O Galpão Molhado tem um novo espécime.
Ele recolheu o cartão de acesso de Trish do chão e o guardou no bolso: 0804.
Quando Mal'akh viu Trish pela primeira vez na recepção, enxergou nela um risco. Depois se
deu conta de que o cartão de acesso e a senha da moça eram a sua garantia. Se a sala de
armazenamento de dados de Katherine fosse tão segura quanto Peter dera a entender, então Mal'akh
previa alguma dificuldade para convencê-la a destrancá-la para ele. Agora tenho as minhas próprias
chaves. Agradava-lhe saber que não precisaria mais perder tempo tentando obrigar Katherine a fazer
o que ele queria.
Ao endireitar o corpo, Mal'akh viu o próprio reflexo na janela e percebeu que sua maquiagem
estava bastante estragada. Aquilo não tinha mais importância. Quando Katherine juntasse todas as
peças do quebra-cabeça, seria tarde demais.

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