terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Capítulo 47 (O Simbolo Perdido)


CAPÍTULO 47

A escuridão que cercava Katherine Solomon parecia total. Depois de sair da segurança do
carpete, ela agora avançava às cegas, com as mãos estendidas tocando apenas espaço vazio enquanto
cambaleava cada vez mais para dentro daquele vácuo deserto. Sob seus pés cobertos pela meia-calça,
a extensão sem fim de cimento frio parecia um lago congelado, um ambiente hostil do qual ela agora
precisava escapar. Quando deixou de sentir o cheiro de etanol, ela estacou e ficou parada no escuro,
aguardando. Completamente imóvel, aguçou os ouvidos, instando o próprio coração a parar de bater
tão alto. Os passos pesados atrás dela pareciam ter cessado. Será que eu o despistei? Katherine
fechou os olhos e tentou imaginar onde estava. Em que direção eu corri? Para que lado está a
porta? Não adiantava. Ela dera tantas voltas que a saída poderia estar em qualquer lugar. Katherine
já ouvira dizer que o medo tinha uma ação estimulante, aguçando nossa capacidade de raciocinar.
Naquele instante, porém, o medo havia transformado sua mente em um turbilhão de pânico e
confusão. Mesmo que eu encontre a porta, não tenho como sair daqui. Seu cartão de acesso tinha
ficado para trás quando ela despira o jaleco. Sua única esperança era que ela havia se tornado uma
agulha no palheiro - um pontinho no meio de um espaço de 2.800 metros quadrados. Apesar da ânsia
incontrolável de fugir, Katherine resolveu fazer o que sua mente analítica lhe dizia, tomando a única
atitude lógica naquela situação - não se mexer. Fique parada. Não faça nenhum ruído. O vigia estava
a caminho e, por algum motivo obscuro, seu agressor exalava um forte cheiro de etanol. Se ele
chegar muito perto, eu vou saber.
Enquanto Katherine estava parada em silêncio, sua mente repassava tudo o que Langdon tinha
dito. Peter foi sequestrado. Ela sentiu gotas de suor frio brotarem da sua pele e escorrerem pelo
braço em direção ao telefone que continuava agarrando com a mão direita. Aquele era um perigo que
ela se esquecera de levar em conta. Se o telefone tocasse, iria revelar sua localização - e ela não
podia desligar o aparelho sem abri-lo e fazer a tela se iluminar. Ponha o telefone no chão... e afaste-
se dele. Mas era tarde demais. O cheiro de etanol se aproximou dela pela direita. E então foi ficando
mais forte. Katherine se esforçou para manter a calma, forçando-se a superar o impulso de sair
correndo. Com cuidado, devagar, deu um passo para a esquerda. No entanto, o leve farfalhar de suas
roupas pareceu bastar para seu agressor. Ela o ouviu se lançar para a frente, o cheiro de etanol
envolvendo-a enquanto a mão poderosa do homem agarrava seu ombro. Katherine se desvencilhou,
tomada pelo mais puro terror. A probabilidade matemática foi para o espaço, e ela pôs-se a correr às
cegas. Fez uma curva fechada para a esquerda, mudando de curso, precipitando-se em direção ao
vazio. A parede se materializou do nada.

Katherine trombou nela com força, o choque a fez expulsar o ar de seus pulmões. A dor se
espalhou por seu braço e seu ombro, mas ela conseguiu continuar de pé. O ângulo oblíquo no qual
colidira com a parede a havia poupado da força total do impacto, porém, isso pouco lhe servia de
consolo. O barulho tinha ecoado por toda parte. Ele sabe onde eu estou. Curvada de dor, ela virou a
cabeça para encarar a escuridão do galpão e sentiu que ele a encarava de volta. Mude de lugar. 
Agora!
Ainda lutando para recuperar o fôlego, ela começou a avançar rente à parede, tocando de leve
com a mão esquerda, ao passar, cada uma das traves de metal protuberantes. Fique junto da parede,
mas tome cuidado para não ser encurralada. Na mão direita, Katherine ainda segurava o celular,
pronta para usá-lo como projétil caso fosse preciso. Ela não estava de forma alguma preparada para o
som que ouviu naquele instante - o nítido farfalhar de roupas bem à sua frente... Roçando contra a
parede. Katherine congelou, totalmente imóvel, e parou de respirar. Como é possível ele já ter
chegado à parede? Ela sentiu uma fraca lufada de ar permeada com o cheiro de etanol. Ele está
vindo pela parede na minha direção!
Katherine recuou vários passos. Então, com um giro silencioso de 180 graus, começou a se
mover depressa na direção oposta. Tinha andando uns seis metros quando o impossível aconteceu.
Mais uma vez, bem à sua frente, ao longo da parede, ouviu o farfalhar de roupas. Então sentiu a
mesma lufada de ar e o cheiro do etanol. E ficou petrificada. Meu Deus, ele está por toda parte!

De peito nu, Mal'akh espreitava a escuridão. O cheiro de etanol nas suas mangas tinha se
revelado uma desvantagem, então ele o transformara em um trunfo, despindo o paletó e a camisa e
usando-os para cercar sua presa. Depois de jogar o paletó contra a parede à direita, tinha ouvido
Katherine estacar e mudar de direção. Então, ao atirar a blusa para a frente à sua esquerda, Mal'akh a
ouvira parar novamente. Havia conseguido encurralar Katherine contra a parede estabelecendo
pontos que ela não se atrevia a cruzar. Ele então esperou, aguçando os ouvidos no silêncio. Ela só
pode avançar em uma direção - direto para onde eu estou.
 Apesar disso, Mal'akh não conseguiu escutar nada. Ou Katherine estava paralisada de medo,
ou havia decidido ficar imóvel e esperar alguma ajuda chegar ao Galpão 5. Em ambos os casos, ela
sai perdendo. Ninguém iria entrar ali tão cedo; Mal'akh inutilizara o sistema de acesso ao galpão com
uma técnica bastante grosseira, porém muito eficiente. Depois de usar o cartão de Trish, ele enfiou
uma moeda de 10 centavos no fundo da leitora, de modo a impedir o uso de qualquer outro cartão
sem antes desmontar o mecanismo todo. Você e eu estamos sozinhos, Katherine... pelo tempo que for.
Mal'akh foi avançando devagar, tentando escutar qualquer movimento. Katherine Solomon morreria
naquela noite nas trevas do museu do irmão. Um fim poético. Mal'akh estava ansioso para

compartilhar com Peter a notícia da morte de sua irmã. O sofrimento do velho seria uma vingança há
muito aguardada.
De repente, para grande, surpresa de Mal'akh, ele viu no escuro uma luz fraca e distante e
percebeu que Katherine havia acabado de cometer um terrível erro, de avaliação. Ela está
telefonando para chamar ajuda? A tela de cristal líquido que acabara de ganhar vida pairava na
altura da sua cintura, cerca de 20 metros mais à frente, como um farol aceso em meio a um vasto
oceano negro. Mal'akh tinha se preparado para esperar por Katherine, mas já não precisava fazer
isso. Ele avançou, correndo em direção à luz oscilante, sabendo que precisava alcançá-la antes de ela
conseguir completar a ligação pedindo ajuda. Chegou lá em poucos segundos e se atirou para a
frente, esticando os dois braços ao redor do celular brilhante, preparado para envolver sua vítima. Os
dedos de Mal'akh se chocaram com uma parede sólida, dobrando-se para trás e quase se quebrando.
A cabeça colidiu em seguida, arremetendo contra uma viga de aço. Ele soltou um grito de dor
enquanto desabava junto à parede. Dizendo um palavrão, tornou a se levantar, cambaleante, apoiando
a mão no travessão horizontal em que Katherine Solomon tivera a esperteza de posicionar o celular
aberto.

Katherine estava correndo de novo, desta vez sem se importar com o barulho que sua mão fazia
ao bater ritmadamente nas traves de metal espaçadas regularmente pelas paredes do Galpão 5.
Corra! Se continuasse seguindo a parede e desse a volta inteira no galpão, sabia que mais cedo ou
mais tarde encontraria a porta de saída. Onde está a droga do vigia?
O espaçamento regular das traves continuava à medida que ela tocava a parede lateral com a
mão esquerda, mantendo a direita esticada na frente do corpo para se proteger. Quando é que vou
chegar à quina? A parede lateral parecia não ter fim, mas de repente a sequência de traves foi
interrompida. Sua mão esquerda não tocou em nada por vários passos compridos, e então as traves
voltaram a aparecer. Katherine freou e deu meia-volta, tateando o painel de metal liso. Por que não
há nenhuma trave aqui?
Agora ela conseguia ouvir seu agressor perseguindo-a ruidosamente, deslizando as mãos pela
parede enquanto avançava na sua direção. No entanto, foi outro som que deixou Katherine ainda
mais assustada - as batidas ritmadas de um vigia esmurrando a porta do Galpão 5 com sua lanterna,
ao longe.
O vigia não está conseguindo entrar?
Embora esse pensamento fosse aterrorizante, a localização do barulho - à direita de onde ela
estava, no sentido diagonal - fez com que Katherine se orientasse na mesma hora, conseguindo
visualizar em que parte do Galpão 5 estava. O lampejo visual trouxe consigo uma compreensão
inesperada. Finalmente sabia o que era aquele painel liso na parede. Todos os galpões eram
equipados com um acesso para espécimes - uma gigantesca parede deslizante que podia ser
deslocada de modo a permitir a entrada e saída de espécimes de grande porte. Essa porta era
descomunal, como as de um hangar de aeronaves, e Katherine jamais imaginara, nem em seus
sonhos mais delirantes, que um dia fosse precisar abri-la. Naquele instante, porém, ela parecia ser
sua única chance. Mas será que esta porta funciona?
Tateando às cegas, Katherine encontrou a grande maçaneta metálica da porta. Segurando-a,
jogou o peso do corpo para trás, tentando fazer a porta deslizar. Nada. Tentou outra vez. Ela não saiu
do lugar.
Katherine conseguia ouvir seu agressor se aproximando mais depressa, atraído pelo barulho de
suas tentativas. O acesso está trancado! Enlouquecida de pânico, ela deslizou as mãos por toda a
porta em busca de alguma alça ou alavanca. De repente, esbarrou com o que parecia uma haste
vertical. Seguiu aquilo até o chão, agachando-se, e pôde sentir que a haste estava inserida em um
buraco no cimento. Uma trava de segurança! Ela se levantou, segurou a haste e, usando a pernas
para tomar impulso, a deslizou para cima, tirando-a do buraco.
Ele está quase chegando!
Katherine então procurou a maçaneta e, ao encontrá-la, puxou com toda sua força. O imenso
painel mal pareceu se mover, mas uma nesga de luar penetrou no Galpão 5. Katherine puxou outra
vez. O facho de luz vindo do lado de fora se alargou. Um pouco mais! Ela deu um último puxão,
sentindo que seu agressor estava agora a poucos metros de distância.
Saltando em direção à luz, Katherine espremeu o corpo esbelto pela abertura. A mão do seu
perseguidor se materializou no escuro em sua direção, tentando puxá-la de volta para dentro. Ao
passar de lado pela porta, ela viu um imenso braço nu coberto de tatuagens vindo no seu encalço.
Aquele aterrorizante braço escamoso se contorcia feito uma cobra tentando agarrá-la.
Katherine girou o corpo e saiu correndo junto à parede externa comprida e clara do Galpão 5.
Enquanto corria, o chão de pedrinhas soltas que contornava todo o CAMS cortava seus pés
protegidos apenas pela meia-calça, mas ela continuou assim mesmo, encaminhando-se para a entrada
principal. A noite estava escura, porém, com os olhos totalmente dilatados por causa do denso breu
do Galpão 5, ela conseguia enxergar com perfeição - quase como se fosse dia. Às suas costas, a
grande porta de correr se abriu mais um pouco e ela ouviu passos pesados se acelerarem, atrás dela.
Eles soavam inacreditavelmente velozes. Eu nunca vou conseguir chegar mais depressa do que ele
até a entrada principal. Ela sabia que seu Volvo estava próximo, mas até mesmo isso seria longe
demais. Não vou conseguir. Então, Katherine percebeu que tinha uma última carta na manga.
Ao se aproximar da quina do Galpão 5, pôde ouvir os passos dele alcançando-a rapidamente no
escuro. É agora ou nunca. Em vez de fazer a curva, Katherine dobrou abruptamente à esquerda,
afastando-se do complexo em direção à grama. Ao mesmo tempo, fechou os olhos com força,
tapando o rosto com as duas mãos, e começou a correr totalmente às cegas pelo gramado.
A iluminação de segurança ativada por sensores de movimento ganhou vida ao redor do
Galpão 5, fazendo a noite virar dia em um instante. Katherine ouviu um grito de dor às suas costas
quando os holofotes brilhantes queimaram as pupilas hiperdilatadas de seu agressor com uma
luminosidade equivalente a mais de 25 milhões de watts. Ela pôde ouvi-lo tropeçar nas pedras soltas.
Katherine manteve os olhos bem fechados, precipitando-se pelo gramado. Quando sentiu que
estava suficientemente longe do prédio e das luzes, abriu os olhos, corrigiu seu trajeto e seguiu
correndo feito uma louca no escuro. As chaves de seu Volvo estavam exatamente onde ela sempre as
deixava, no console central. Ofegante, ela segurou-as com as mãos trêmulas e encontrou a ignição. O
motor ganhou vida com um rugido e os faróis do carro se acenderam iluminando uma visão
aterradora.
Uma forma horrenda corria na sua direção.
Por alguns segundos, Katherine ficou petrificada.
A criatura iluminada por seus faróis era um animal careca e de peito nu, com a pele coberta por
tatuagens de escamas, símbolos e palavras. Ele berrava enquanto corria em direção ao carro, suas
mãos erguidas diante do rosto como um animal das cavernas que vê a luz do sol pela primeira vez.
Ela estendeu a mão para a alavanca de câmbio, mas, num piscar de olhos, ele estava ali, projetando o
cotovelo contra sua janela lateral e cobrindo seu colo com uma chuva de cacos de vidro.
Um imenso braço tatuado penetrou por sua janela, tateando e encontrando seu pescoço. Ela
engatou a ré, mas o agressor havia agarrado sua garganta e a apertava com uma força inimaginável.
Ela virou a cabeça para tentar escapar daquela mão e, de repente, se viu encarando o rosto dele. Três
listras escuras, parecendo unhadas, haviam removido sua maquiagem e revelado as tatuagens do
rosto. Os olhos eram insanos e implacáveis.
– Eu deveria ter matado você 10 anos atrás. - Rosnou ele. - Na noite em que matei sua mãe.
À medida que sua mente registrava aquelas palavras, Katherine foi tomada por uma lembrança
aterrorizante: aquele olhar de besta-fera... Ela já o vira antes. É ele. Não fosse a pressão fortíssima
em volta de seu pescoço, ela teria soltado um grito.
Katherine afundou o pé no acelerador e o carro deu um pinote para trás, quase quebrando seu
pescoço enquanto o homem era arrastado ao lado do veículo. O Volvo começou a subir um canteiro
inclinado, e ela pôde sentir o pescoço prestes a ceder ao peso dele. De repente, galhos de árvore
começaram a arranhar a lataria, fustigando as janelas laterais, e o peso sumiu.
O carro irrompeu através dos arbustos e emergiu na parte superior do estacionamento, onde
Katherine pisou com força nos freios. Mais abaixo, o homem seminu se levantava encarando os
faróis. Com uma calma aterrorizante, ele ergueu um braço ameaçador e apontou diretamente para ela.
O sangue de Katherine chispou por suas veias, cheio de medo e raiva, enquanto ela girava o
volante e pisava no acelerador. Segundos depois, estava pegando a Silver Hill Road a toda a
velocidade.

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