terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Capítulo 51 (O Simbolo Perdido)


CAPÍTULO 51

Katherine Solomon sempre fora uma motorista prudente, mas agora estava correndo com o
Volvo a mais de 140 quilômetros por hora em sua louca fuga pela Suitland Parkway. Seu pé trêmulo
havia ficado grudado no acelerador por alguns segundos antes de o pânico começar a passar. Ela
agora percebia que aquele tremor incontrolável não se devia apenas ao medo.
Eu estou congelando.
O ar frio da noite de inverno soprava forte por sua janela estilhaçada, fustigando-lhe o corpo
como um vento ártico. Seus pés, cobertos apenas pela meia-calça, estavam dormentes, e ela estendeu
a mão para baixo em busca do par de sapatos sobressalente que guardava sob o banco do carona. Ao
se abaixar, sentiu uma pontada de dor no pescoço machucado pela mão potente de seu agressor. O
homem que arrebentara sua janela não tinha qualquer semelhança com o cavalheiro louro que
Katherine conhecera como Dr. Christopher Abaddon. Os cabelos grossos e a tez lisa e bronzeada
haviam desaparecido. A cabeça raspada, o peito nu e o rosto com a maquiagem borrada tinham se
revelado uma aterrorizante tapeçaria de tatuagens. Ela tornou a ouvir a voz dele, sussurrando-lhe em
meio à ventania uivante do lado de fora de sua janela quebrada. Eu deveria ter matado você 10 anos
atrás... Na noite em que matei sua mãe.
Já sem um pingo de dúvida, Katherine sentiu um calafrio. Era ele. Nunca esqueceu a expressão
de violência demoníaca daqueles olhos. Tampouco esquecera o barulho do único tiro que o irmão
havia disparado e que matara aquele homem, fazendo-o despencar de uma ribanceira até o rio
congelado lá embaixo, onde mergulhara para nunca mais reaparecer. Os investigadores passaram
semanas procurando pelo corpo, mas nunca o encontraram e acabaram concluindo que a correnteza o
levara para a baía de Chesapeake. Eles estavam enganados, ela agora sabia. Ele continua vivo. E ele
voltou.
À medida que as lembranças retornavam à sua mente, Katherine se sentiu tomada pela
angústia. Fazia quase 10 anos. Era dia de Natal. Katherine, Peter e a mãe - a família inteira - estavam
reunidos em sua grande mansão de pedra em Potomac, aninhada em um terreno arborizado de mais
de 800 mil metros quadrados, atravessado por um rio particular. Como rezava a tradição, sua mãe
estava ocupada na cozinha, saboreando o costume de cozinhar para os filhos nas festas de fim de
ano. Mesmo aos 75 anos, Isabel Solomon era uma cozinheira exuberante e, naquela noite, os aromas
de carne de cervo ao forno, molho de ervas finas e purê de batatas ao alho flutuavam pela casa,
dando água na boca. Enquanto a mãe preparava o banquete, os dois irmãos relaxavam no jardim de
inverno, conversando sobre o mais recente objeto de fascínio de Katherine: um novo campo de

estudos chamado ciência noética. Fusão improvável de física de partículas moderna com   misticismo  
antigo,   a   noética   tinha   conquistado totalmente a imaginação de Katherine. O encontro entre a
física e a filosofia.
Katherine contou a Peter sobre alguns dos experimentos que sonhava em fazer, e pode notar
nos olhos cinzentos do irmão que aquilo o intrigava. Estava particularmente feliz por poder
proporcionar a ele algo positivo em que pensar naquele Natal, uma vez que o feriado também se
transformara num doloroso lembrete de uma terrível tragédia. O filho de Peter, Zachary.
O 21° aniversário do sobrinho de Katherine fora o último. A família tinha vivido um pesadelo,
e parecia-lhe que o irmão só agora estava reaprendendo a sorrir.
Menino frágil e desengonçado, Zachary tinha se desenvolvido tarde, transformando-se em um
adolescente rebelde e zangado. Apesar de criado com muito amor em um ambiente de privilégios, o
rapaz parecia decidido a romper com o "sistema" da família Solomon. Foi expulso da escola de
ensino médio, vivia na farra com os ricos e famosos e desdenhava as tentativas inesgotáveis dos pais
de orientá-lo de maneira firme, porém carinhosa. Ele partiu o coração de Peter.
Pouco antes do 18° aniversário de Zachary, Katherine havia se reunido com a mãe e o irmão e
ouvira a conversa dos dois sobre se deveriam ou não segurar a herança de seu sobrinho até ele ficar
mais maduro. Era uma tradição secular do clã Solomon transferir para todos os filhos que
completassem 18 anos uma fatia extraordinariamente generosa do patrimônio da família. Os
Solomon acreditavam que uma herança era mais útil no início da vida de alguém do que no final.
Além disso, confiar grandes porções da fortuna familiar a jovens descendentes cheios de energia
tinha sido fundamental para aumentar a riqueza da dinastia.
Naquele caso, porém, a mãe de Katherine argumentou que era um perigo entregar ao filho de
Peter uma soma de dinheiro tão grande. Peter discordou.
– A herança dos Solomon - disse ele - é uma tradição de família que não deve ser quebrada.
Esse dinheiro pode muito bem forçar Zachary a ser mais responsável. - Infelizmente, seu irmão
estava errado.
Assim que recebeu o dinheiro, Zachary cortou relações com a família e sumiu de casa sem
levar qualquer pertence. Reapareceu meses depois nos tablóides: PLAYBOY MILIONÁRIO CURTE
A VIDA NA EUROPA. A imprensa sensacionalista se esbaldou documentando a vida luxuosa e
desregrada de Zachary. As fotos de festas de arromba em iates e bebedeiras em boates eram um
tormento para os Solomon, mas os registros de seu adolescente rebelde passaram de vergonhosos a
assustadores quando os jornais informaram que o rapaz tinha sido pego com cocaína na fronteira da
Turquia: MILIONÁRIO SOLOMON PRESO COM DROGAS.

Eles descobriram que a prisão para onde Zachary fora mandado se chamava Soganlik - um
centro de detenção brutal, de última categoria, situado no distrito de Kartal, nos arredores de
Istambul. Temendo pela segurança do filho, Peter Solomon pegou um avião até a Turquia para tentar
resgatá-lo. Muito abalado, voltou sem ter conseguido sequer uma autorização para ver Zachary. A
única notícia promissora era que os influentes contatos de Solomon no Departamento de Estado
norte-americano estavam fazendo todo o possível para conseguir extraditar o rapaz o mais rápido
possível.
Contudo, dois dias depois, Peter recebeu um pavoroso telefonema internacional. Na manhã
seguinte, as manchetes anunciavam: HERDEIRO DOS SOLOMON ASSASSINADO NA PRISÃO.
As fotos tiradas no presídio eram medonhas, e a mídia divulgou todas elas sem dó nem
piedade, mesmo muito depois da cerimônia fúnebre particular organizada pelos Solomon. A mulher
de Peter jamais o perdoou por não ter conseguido libertar Zachary, e o casamento dos dois acabou
seis meses depois. Desde então, Peter vivia sozinho. Levou muitos anos para que Katherine, Peter e
sua mãe, Isabel, se reunissem para passar um Natal tranquilo. A dor ainda era grande, mas felizmente
ia diminuindo a cada ano. O agradável ruído de panelas e frigideiras agora ecoava da cozinha onde
Isabel preparava o tradicional banquete. No jardim de inverno Peter e Katherine conversavam
descontraídos enquanto saboreavam um brie derretido. Foi então que ouviram um som totalmente
inesperado. 
– Olá, família Solomon. - Disse uma voz afetada atrás deles. Espantados, Katherine e o irmão
se viraram e deram de cara com uma imensa figura musculosa entrando no jardim de inverno. O
rosto do homem estava coberto por um gorro de esqui preto, com exceção dos olhos, que luziam com
uma ferocidade animalesca. Peter se pós de pé no mesmo instante.
– Quem é você? Como entrou aqui?
– Eu conheci seu filhinho, Zachary, na prisão. Ele me disse onde esta chave aqui ficava
escondida. - O desconhecido ergueu uma velha chave e sorriu como uma besta-fera. - Pouco antes de
eu espancá-lo até a morte.
Peter ficou de queixo caído.
O homem sacou uma pistola e apontou-a em cheio para o peito de Peter.
– Sentado.
Ele se sentou de volta na cadeira.
Quando o homem chegou mais perto, Katherine ficou petrificada. Por trás do gorro, seus olhos
eram tão ferinos quanto os de um animal raivoso.
– Ei! - Berrou Peter, como se estivesse tentando alertar sua mãe lá na cozinha. - Eu não sei
quem você é, mas pegue o que quiser e vá embora!
O homem continuou mirando o peito de Peter com a arma.
– E o que você acha que eu quero?
É só me dizer quanto. - Disse Solomon. - Não temos dinheiro em casa, mas eu posso...
O monstro riu.
– Não me ofenda. Eu não vim atrás de dinheiro. Vim aqui buscar a outra coisa que pertence a
Zachary por direito. - Ele deu uma estranha risada. - Ele me falou sobre a pirâmide. - Pirâmide?,
pensou Katherine, desnorteada. Que pirâmide? Seu irmão assumiu um tom desafiador.
– Eu não sei do que você está falando.
– Não banque o inocente comigo! Zachary me disse o que você guarda no cofre do escritório.
Eu quero o que está lá dentro. Agora.
– Não sei o que Zachary contou a você, mas ele se confundiu. - Disse Peter. - Realmente não
sei do que você está falando!
– Ah, não? - O intruso se virou, apontando a arma para o rosto de Katherine. - E agora?
Os olhos de Peter se encheram de terror.
– Você precisa acreditar em mim! Eu não sei o que quer!
– Se mentir para mim outra vez - disse ele, ainda apontando a arma para Katherine -, eu juro
que acabo com ela. - Ele sorriu. - E, pelo que Zachary me disse, sua irmãzinha é mais preciosa para
você do que todos os seus...
– O que está acontecendo aqui? - Gritou a mãe de Katherine, marchando jardim de inverno
adentro com a espingarda Browning Citori de Peter em punho e mirando-a bem no peito do homem.
O intruso girou o corpo na sua direção e a enérgica mulher de 75 anos não perdeu tempo, disparando
uma rajada ensurdecedora de chumbinho. O intruso cambaleou para trás, atirando a esmo em todas
as direções ao varar as portas de vidro, deixando a pistola cair no chão.
Peter não titubeou, mergulhando imediatamente em direção à arma. Katherine estava caída no
chão, e a Sra. Solomon correu até ela, ajoelhando-se ao seu lado.
– Meu Deus, você está ferida?
Katherine fez que não com a cabeça, muda de choque. Do lado de fora da porta estilhaçada, o
homem mascarado tinha se levantado aos tropeços e agora corria em direção à mata, pressionando a
lateral do corpo. Peter Solomon ainda olhou para trás para se certificar de que a mãe e a irmã
estavam seguras e, ao ver que ambas estavam bem, empunhou a pistola e saiu correndo no encalço
do intruso. A mãe de Katherine segurou sua mão, tremendo.
– Graças a Deus você está bem. - Então, de repente, ela se afastou da filha. - Katherine? Você
está sangrando! Isto é sangue! Você está ferida!
Katherine viu o sangue. Muito sangue. Ela estava coberta com ele. Mas não sentia dor
nenhuma.
Frenética, sua mãe vasculhou o corpo de Katherine em busca de um ferimento.
– Onde é que está doendo?
– Não sei, mãe, eu não estou sentindo nada!
Foi então que Katherine viu a origem do sangue e ficou gelada.
– Mãe, não sou eu... - Ela apontou para a lateral da blusa de cetim da mãe, de onde o sangue
escorria aos borbotões por um pequeno buraco. A mãe olhou para baixo, parecendo mais confusa do
que qualquer outra coisa. Então, fez uma careta, encolhendo-se como se a dor houvesse acabado de
atingi-la.
– Katherine? - Sua voz estava calma, mas de repente carregava todo o peso de seus 75 anos. -
Preciso que você chame uma ambulância.
Katherine correu até o telefone e ligou pedindo ajuda. Ao voltar para o jardim de inverno,
encontrou a mãe deitada, imóvel, em meio a uma poça de sangue. Correu até ela, agachou-se e
aninhou seu corpo em seus braços. Katherine não saberia dizer quanto tempo se passou até escutar o
tiro ao longe na mata. Finalmente, Peter entrou correndo no jardim de inverno, ainda com a arma na
mão. Ao ver a irmã em prantos, segurando nos braços a mãe sem vida, seu rosto se contorceu de
agonia. O grito que ecoou pelo jardim era um som que ela jamais iria esquecer.

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