terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Capítulo 57 (O Simbolo Perdido)


CAPÍTULO 57

Mal'akh acelerava sua limusine na direção norte, rumo a Kalorama Heights. A explosão no
laboratório de Katherine fora bem maior do que ele esperava, e Mal'akh tivera sorte de escapar ileso.
Mas o caos resultante viera a calhar, permitindo que ele deixasse o complexo sem ser interceptado
pelo vigia distraído, que estava ocupado em gritar ao telefone. Preciso sair da estrada, pensou. Se
Katherine ainda não tivesse ligado para a emergência, a explosão com certeza chamaria a atenção da
polícia.
E seria difícil não reparar em um homem sem camisa dirigindo uma limusine.
Após anos de preparação, Mal'akh mal podia acreditar que aquela noite havia chegado. A
jornada até ali tinha sido longa, difícil. O que começou anos atrás na tristeza... Terminará hoje à noite
em glória.
Na noite em que tudo começou, ele não se chamava Mal'akh. Na verdade, na noite em que tudo
começou, ele tinha nome nenhum. Detento 37. Como a maioria dos prisioneiros de Soganlik, nos
arredores de Istambul, o Detento 37 fora parar ali por causa das drogas. Estava deitado em seu catre
dentro da cela de cimento, no escuro, faminto e com sede, perguntando-se quanto tempo ficaria
preso. Seu novo companheiro de cela, que ele conhecera apenas 24 horas antes, dormia no catre logo
acima. O diretor da prisão, um alcoólatra obeso que detestava o emprego e descontava nos detentos,
havia acabado de apagar as luzes. Eram quase 10 da noite quando o Detento 37 escutou uma
conversa ecoando do duto de ventilação. A primeira voz era inconfundivelmente nítida - o sotaque
penetrante e hostil do diretor da prisão, que obviamente não gostava de ser acordado por um visitante
tardio.
– Sim, sim, o senhor veio de longe - dizia ele -, mas não permitimos visitas durante o primeiro
mês. Regulamento estatal. Sem exceções.
A voz que respondeu era suave e refinada, cheia de agonia.
– Meu filho está bem?
– Seu filho é um viciado.
– Ele está sendo bem tratado?
– Bem o bastante. - Respondeu o diretor. - Isto aqui não é um hotel.
Fez-se um silêncio atormentado.
– O senhor sabe que o Departamento de Estado dos Estados Unidos vai requisitar uma
extradição?
– Sim, sim, eles sempre fazem isso. Ela será concedida, embora talvez a papelada leve algumas
semanas... Ou até um mês... Tudo depende.
– Depende de quê?
– Bem - disse o diretor -, nós aqui estamos com falta de pessoal. - Ele fez uma pausa. - É claro
que às vezes a pessoa interessada, como é o caso do senhor, faz doações aos funcionários da prisão
para ajudar a acelerar um pouco as coisas.
O visitante não respondeu.
– Sr. Solomon - prosseguiu o diretor, abaixando a voz -, para um homem como o senhor, para
quem o dinheiro não é nada, sempre existem alternativas. Eu conheço pessoas no governo. Se o
senhor e eu trabalharmos juntos, podemos conseguir tirar seu filho daqui... Amanhã, com todas as
acusações retiradas. Ele nem sequer teria de responder a um processo nos Estados Unidos.
A reação de Peter Solomon foi imediata.
– Sem falar nas implicações jurídicas da sua sugestão, eu me recuso a ensinar ao meu filho que
o dinheiro resolve todos os problemas, ou que na vida não é preciso assumir a responsabilidade pelos
nossos atos, sobretudo em uma questão séria como essa.
– O senhor quer deixar seu filho aqui?
– Eu gostaria de falar com ele. Agora.
– Como eu disse, nós temos regras. Não é possível ver seu filho agora... A menos que o senhor
queira negociar a libertação imediata dele.
Um silêncio frio pairou no ar por vários minutos.
– O Departamento de Estado entrará em contato com o senhor. Cuide bem de Zachary. Espero
que ele esteja dentro de um avião para casa ainda esta semana. Boa noite.
A porta bateu.
O Detento 37 não conseguiu acreditar nos próprios ouvidos. Que espécie de pai deixa o filho
neste buraco para lhe ensinar uma lição? Peter Solomon chegara ao cúmulo de recusar uma
proposta de limpar a ficha de Zachary.
Mais tarde naquela mesma noite, deitado em seu catre sem conseguir dormir, o Detento 37
percebeu como iria se libertar. Se o dinheiro era a única coisa que separava um prisioneiro da
liberdade, então ele já estava praticamente livre. Peter Solomon talvez não estivesse disposto a pôr a
mão no bolso, mas qualquer um que lesse os tablóides sabia que seu filho, Zachary, também tinha
muito dinheiro. No dia seguinte, o Detento 37 teve uma conversa particular com o diretor e sugeriu
um plano - um estratagema ousado e engenhoso que lhes daria exatamente o que eles queriam.
– Zachary Solomon teria que morrer para isso funcionar - explicou o Detento 37 -, mas nós
dois poderíamos sumir na mesma hora. O senhor poderia se refugiar nas ilhas gregas. Jamais tornaria
a ver este lugar.
Depois da conversa, os dois homens trocaram um aperto de mãos.
Logo Zachary Solomon estará morto, pensou o Detento 37, sorrindo ao imaginar como seria
fácil.
Dois dias depois, o Departamento de Estado entrou em contato com a família Solomon para
dar a trágica notícia. As fotografias da prisão mostravam o corpo brutalmente espancado do rapaz no
chão da cela, encolhido e sem vida. A cabeça tinha sido golpeada com uma barra de ferro, e o resto
do corpo estava deformado para além da imaginação humana. Ele parecia ter sido torturado antes de
ser morto. O principal suspeito era o próprio diretor da prisão, que havia desaparecido,
provavelmente levando todo o dinheiro do rapaz assassinado. Zachary havia assinado documentos
que transferiam sua vasta fortuna para uma conta particular. Todo o dinheiro fora retirado
imediatamente após sua morte, sendo impossível descobrir seu destino.
Peter Solomon pegou um jatinho particular para a Turquia e voltou com o caixão do filho, que
foi enterrado no cemitério da família. O diretor da prisão nunca foi encontrado. Nem nunca seria,
como o Detento 37 sabia. O corpo roliço do turco descansava agora no fundo do mar de Mármara,
alimentando os siris azuis que migravam pelo estreito de Bósforo. A fortuna de Zachary Solomon
tinha sido transferida integralmente para uma conta numerada impossível de rastrear. O Detento 37
era novamente um homem livre - livre e dono de uma imensa fortuna.
As ilhas gregas pareciam o paraíso. Sua luz. Seu mar. Suas mulheres.
Não havia nada que o dinheiro não pudesse comprar - identidades novas, passaportes novos,
esperanças novas. Ele escolheu um nome grego - Andros Dareios -, pois Andros significava
"homem" e Dareios, "rico". As noites escuras na prisão o haviam deixado com medo, e Andros jurou
para si mesmo que nunca mais seria preso. Raspou os cabelos revoltos e abandonou para sempre o
mundo das drogas. Recomeçou a vida do zero - explorando prazeres nunca antes imaginados. A
serenidade de velejar sozinho no azul-escuro do Egeu substituiu o barato de heroína; a volúpia de
abocanhar pedaços suculentos de arni souvlakia direto do espeto tornou-se seu novo ecstasy; e a
emoção de saltar das encostas escarpadas para o mar cheio de espuma de Mykonos virou sua
cocaína. Eu nasci de novo.
Andros comprou uma ampla villa na ilha de Syros e se instalou entre a bella gente na exclusiva
cidade de Possidonia. Esse novo mundo girava em torno não apenas da riqueza, mas também da
cultura e da perfeição física. Seus vizinhos tinham muito orgulho de seus corpos e mentes, e isso era
contagioso. O recém-chegado começou a correr na praia, a bronzear o corpo pálido e a mergulhar na
leitura. Andros leu a Odisseia, de Homero, e ficou fascinado pelas imagens de fortes homens de
bronze travando batalhas naquelas ilhas. No dia seguinte, começou a fazer musculação. Ficou
maravilhado ao ver como seu peito e seus braços logo aumentaram de volume. Aos poucos, passou a
sentir os olhares das mulheres observando-o, e a admiração delas era embriagante. Ele ansiava por 
ficar ainda mais forte. E ficou. Com a ajuda de ciclos de anabolizantes agressivos, misturados a
hormônios de crescimento contrabandeados e intermináveis horas de malhação, Andros se
transformou em algo que jamais imaginara vir a ser: um espécime perfeito de homem. Sua estatura e
sua musculatura aumentaram e ele desenvolveu peitorais fortes e pernas grossas, musculosas, que
mantinha sempre bronzeadas. Agora todo mundo estava olhando.
Como Andros tinha sido alertado, os potentes anabolizantes e hormônios, além de modificar
seu corpo, transformaram sua voz em um sussurro rouco que o fazia se sentir ainda mais misterioso.
A voz suave e enigmática, o físico musculoso, o dinheiro e a recusa em falar sobre seu passado
secreto eram uma combinação irresistível para as mulheres que o conheciam. Elas se entregavam
com facilidade, e ele as satisfazia. Ninguém se fartava dele - das modelos de passagem pela ilha para
fazer ensaios fotográficos às universitárias norte-americanas virgens em férias, passando pelas
esposas solitárias dos vizinhos e por um ou outro rapaz. Eu sou uma obra-prima.
No entanto, com o passar dos anos, as aventuras sexuais de Andros começaram a perder o
encanto. Assim como todo o resto. A culinária da ilha deixou de ter o mesmo sabor, os livros já não
prendiam seu interesse e até os estonteantes poentes vistos de sua villa pareciam sem graça. Como
isso é possível? Apesar de ter apenas 20 e poucos anos, sentia-se velho. O que mais a vida tem a
oferecer? Ele havia esculpido o próprio corpo para transformá-lo numa obra de arte; havia se
instruído e alimentado a mente com cultura; fizera do paraíso seu lar e tinha o amor de qualquer
pessoa que desejasse.
No entanto, por incrível que parecesse, sentia-se tão vazio quanto naquela prisão turca. O que
está faltando para mim?
Vários meses depois, ele teve a resposta. Andros estava sentado sozinho em sua villa, zapeando
distraidamente os canais de TV no meio da noite, quando se deparou com um programa sobre os
segredos da Francomaçonaria. O programa era malfeito, continha mais perguntas do que respostas,
mas mesmo assim ele ficou intrigado com a enorme quantidade de teorias da conspiração que
cercavam a irmandade. O narrador ia descrevendo uma lenda depois da outra. A Francomaçonaria e a
Nova Ordem Mundial... O Grande Selo Maçônico dos Estados Unidos... A Loja Maçônica P2... O
Segredo Perdido.. A Pirâmide Maçônica...
Andros se sentou ereto, espantado. Pirâmide. O narrador começou a contar a história de uma
misteriosa pirâmide de pedra gravada com inscrições que prometiam conduzir a um saber perdido e a
um poder imensurável. A história, embora aparentemente inverossímil, despertou nele uma
lembrança distante... A vaga recordação de uma época bem mais obscura. Andros se lembrou do que
Zachary Solomon tinha escutado do pai em relação a uma misteriosa pirâmide.
Será possível? Andros se esforçou para recordar os detalhes. Quando o programa terminou, ele
saiu para a varanda, deixando o ar frio clarear sua mente. À medida que as lembranças voltavam,
Andros começou a achar que talvez aquela lenda tivesse um fundo de verdade. E, nesse caso,
Zachary Solomon - embora morto havia tempos - ainda tinha algo a oferecer. O que eu tenho a
perder?
Três semanas mais tarde, depois de planejar cuidadosamente cada etapa, Andros estava parado
sob o frio intenso diante do jardim de inverno da propriedade dos Solomon em Potomac. Através do
vidro, podia ver Peter Solomon conversando e rindo com a irmã, Katherine. Parece que eles não
tiveram problema nenhum para esquecer Zachary, pensou. Antes de enfiar o gorro de esqui na
cabeça, Andros cheirou uma carreira de cocaína, a primeira em muito tempo. Sentiu a conhecida
onda de destemor. Sacou uma arma, usou uma velha chave para destrancar a porta e entrou no
recinto. - Olá, família Solomon.
Infelizmente, a noite não correu como Andros esperava. Em vez de conseguir a pirâmide que
tinha ido buscar, ele foi alvejado com tiros de chumbinho e teve que fugir pelo gramado coberto de
neve em direção à mata densa. Para sua surpresa, Peter Solomon saiu em seu encalço com uma
pistola reluzindo na mão. Andros correu para o meio da mata e desceu uma trilha que margeava um
desfiladeiro. Lá embaixo, o barulho de uma cascata subia ecoando pelo cortante ar de inverno. Ele
passou por um bosque e fez uma curva para a esquerda, derrapando ao frear na  trilha congelada e
escapando da morte por um triz. Meu Deus!
Poucos metros adiante, a trilha acabava, mergulhando direto num rio congelado bem lá
embaixo. A grande rocha ao lado da trilha tinha sido gravada pela mão inexperiente de uma criança:

Do outro lado da ribanceira, a trilha continuava. Mas onde está a ponte? A cocaína não estava
mais fazendo efeito. Estou encurralado! Em pânico, Andros se virou para voltar pela mesma trilha,
mas deu de cara com Peter Solomon em pé à sua frente, ofegante, com a pistola na mão. Andros
olhou para a arma e recuou um passo. A queda atrás dele tinha pelo menos 15 metros até um rio de
superfície congelada. A bruma da cascata se erguia à sua volta, gelando-o até os ossos.
– A ponte do Zach apodreceu há muito tempo. - Disse Solomon, sem fôlego. - Ele era o único a
vir tão longe. - Solomon segurava a arma com a mão espantosamente firme. - Por que você matou
meu filho?
– Ele não era nada. - Retrucou Andros. - Não passava de um viciado. Eu fiz um favor a ele.
Solomon chegou mais perto, a arma apontada para o peito de Andros.
– Talvez eu devesse retribuir o favor. - Seu tom era surpreendentemente cruel. - Você espancou
meu filho até a morte. Como é que alguém faz uma coisa dessas?
– As pessoas fazem coisas inimagináveis quando levadas ao limite.
– Você matou meu filho!
– Não. - Retrucou Andros, assumindo um tom exaltado. - Quem matou seu filho foi você. Que
tipo de pai deixa o filho na prisão quando tem a possibilidade de tirá-lo de lá? Você matou seu filho!
Não eu.
– Você não sabe de nada! - Berrou Solomon com a voz cheia de dor.
Você está errado, pensou Andros. Eu sei de tudo. Peter Solomon chegou mais perto, parando a
menos de cinco metros de distância. O peito de Andros ardia e ele podia sentir que estava sangrando
muito. Um líquido quente escorria por sua barriga. Ele olhou por cima do ombro para a ribanceira.
Impossível. Tornou a se virar para Solomon.
– Eu sei mais a seu respeito do que você pensa. - Sussurrou ele.
– Sei que não é o tipo de homem que mata a sangue-frio. - Solomon deu um passo à frente,
mirando bem. - Estou lhe avisando. - Disse Andros. - Se você apertar esse gatilho, vou assombrá-lo
para sempre.
– Você já vai me assombrar. - E, com essas palavras, Solomon atirou.
Enquanto disparava ao volante da limusine preta rumo a Kalorama Heights, aquele que agora
se chamava Mal'akh refletia sobre os milagrosos acontecimentos que o haviam livrado da morte certa
no alto da ribanceira gelada. Ele havia sido transformado para sempre. O tiro só ecoara por um
instante, mas seus efeitos haviam reverberado por quase uma década. Seu corpo, outrora bronzeado e
perfeito, ficara marcado pelas cicatrizes daquela noite... Que ele escondia sob os símbolos tatuados
da sua nova identidade. Eu sou Mal'akh. Esse sempre foi o meu destino.
Ele atravessara o fogo, fora reduzido a pó e depois ressurgira... Novamente transformado. Esta
noite seria a última etapa de sua longa e magnífica jornada.

 

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