terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Capítulo 14 (Sorte ou Azar)


Capítulo 14

O que mais eu deveria fazer ? Não podia simplesmente deixar minha prima andar por aí tomando drogas. Não se houvesse algo que eu pudesse fazer para impedir. Assim, numa noite, encontrei o depósito secreto quando ela não estava em casa (não foi tão difícil; ela havia escondido os comprimidos desntro do porta-jóias), depois revirei a farmácia da rua até encontrar comprimidos de aparência semelhante, mas inofensivos, que eu poderia substituir pelos de verdade — que então joguei no vaso e dei descarga. — Quando ela chegar em casa — observou Zach, por cima de sua Coca — vai matar você. — Tory ia me matar mesmo antes disso — falei em tom sombrio. — Isso só vai intensificar a decisão dela. — Você sabe que ela não pretendia se matar de verdade. — Zach levou a lata de refrigerante aos lábios e tomou um longo gole. — Não pretendia? Zach, claro que pretendia. Você não toma uma overdose de Valium por acidente. Isso é loucura! — Hã. — Zach enfiou a mão no saco de batatas fritas que alguém havia deixado aberto na mesa da cozinha e pegou um punhado. — Loucura nada. Valium é a única droga com a qual é bem difícil de se matar. E a noção de tempo dela foi impecável, para o caso de você não ter notado. Arrasada na cadeira em que Alice geralmente se sentava no café-da-manhã, olhei atônita para Zach. — A noção de tempo? O que você está falando? — Ela sabia que eu e você íamos sair esta noite, não é? Mordi o lábio, lembrando-me do confronto na cozinha. — Bem, sabia. — Foi o que pensei. Então deve ter tomado os comprimidos na hora do jantar. Bem antes de eu vir pegar você. Se Petra tivesse verificado, como deveria, teria encontrado Tory esparramada no chão e sua idazinha ao teatro — ele mordeu ruidosamente uma batata — teria sido adiada indefinidamente. Olhei por cima da mesa da cozinha.

— Você não pode estar falando sério. Está dizendo que Tory não tentou se matar, que tomou um punhado de comprimidos só para me impedir de sair com você?

Ele deu de ombros e engoliu a batata com u bocado de refrigerante. — Não um punhado. Dois. Foi quantos ela disse aos paramédicos que havia tomado. Tory sabe que dois Valium não fazem nada. É só um show. Um show grade e inconveniente. Ela não fez nada contra si própria. Felizmente para nós, desta vez, você trocou o Valium por aspirinas infantil. E então Petra fez besteira e só encontrou Tory depois de termos saído. — Ah, Zach — suspirei. — A coitada da Petra achou que era culpa dela, mas não é. É minha. Zach bateu seu refrigerante na mesa. — Corta essa — ele fez uma careta. Mas era fácil para Zach dizer "corta essa". Para mim não era nada disso. Afinal de contas, Tory havia confiado em mim, mostrando o boneco que tinha feito. E como eu havia retribuído? Saindo com Zach. Claro, Zach não gostava de mim, pelo menos não como eu gostava dele. Éramos apenas amigos. Mas ele e Tory eram só amigos, e ele não ia a concertos com ela. Claro que ela ficou com ciúme. Claro que havia agido movida por esse ciúme. E agora ele tinha me convidado para acompanhá-lo no baile. Se ela havia tentado se matar — ou, se o Zach estivesse certo, fingindo uma tentativa de suicídio — só porque nós tínhamos ido a um concerto juntos, o que faria quando soubesse que ele havia me convidado para o baile da primavera? Eu não sabia. Mas tinha certeza de que não queria descobrir. Foi nesse momento que o telefone tocou. Antes do segundo toque, eu estava de pé, saindo de trás da mesa e pegando o aparelho. — Sou eu — disse tia Evelyn. — Estamos aqui no hospital com a Tory. Vamos chegar logo em casa. Ela vai ficar bem graças a você. Soltei um enorme suspiro de alívio. — Graças a Deus. Levantei o polegar para Zach. Ele murmurou: — Eu não disse? — Como estão as crianças? — perguntou tia Evelyn. — Dormindo. Alice, felizmente nem chegou a acordar. Teddy ouviu a agitação e desceu, mas Zach o convenceu a voltar para a cama prometendo um jogo de bola no quintal, no dia seguinte.

— Ótimo. Bem, parece que vão dar alta logo. Não tiveram de fazer lavagem estomacal, assim que souberam que era...bem, o que você disse. Mal pude acreditar quando me contaram. Não sei como ela conseguiu arranjar Valium. Como você soube, Jean? — Soube o quê? — Que ela estava com aqueles comprimidos? Engoli em seco.

— Eu... só encontrei... — E não contou a gente? — Tia Evelyn pareceu realmente desapontada comigo. — Estou muito grata pelo que fez, Jean, mas mesmo assim deveria ter nos contado. Tory está... ah, aí vem um médico. Não espere por nós, Jean. Vamos conversar de amanhã. Obrigada por vigiar aas crianças. — Ah, não tem pro... Mas tia Evelyn já havia desligado. Pus o telefone no gancho, depois me virei para Zach. Sentia como se fosse vomitar. Mas não tinha opção. Tory havia pensando em tudo. — E então? — Zach estava me olhando com aqueles intensos olhos verdes. — Ela está legal, não é? Eu disse. — Ela está bem — engoli em seco. — Zach. Não posso ir ao baile com você. — Falei depressa. E com firmeza. Zach só continuou me olhando. — É isso que ela quer, você sabe. Foi por isso que fez. — Mesmo assim — lembrei-me de como a voz da tia Evelyn pareceu sofrida ao telefone. — Não posso ir. Sinto muito. Zach revirou os olhos. — Pára de se culpar. Nada disso é sua culpa. — É minha culpa, também! Por isso não posso ir com você. Não seria certo. É melhor você convidar outra pessoa. Zach pareceu com raiva. — Não quero convidar mais ninguém. Se não posso ir com a garota que eu quero, não vou com ninguém. — Por quê? — perguntei acalorada. — é Petra que você quer. mas ia comigo. Então que diferença faz? — Sabe de uma coisa? — ele soltou um riso súbito. E sem humor. — Você está certa. Não faz diferença nenhuma. Vou para casa agora mesmo. Vejo você amanhã. E então foi embora.

Fiquei sozinha na cozinha dos Gardiner. O que tornou fácil fazer o que fiz em seguida: me sentar e abrir o berreiro durante uns bons dez minutos. E não estava chorando só por mim ou porque tinha perdido o Zach — não que ele fosse meu pra começar. Não. Eu estava chorando por Tory, e por Petra, e por todas as pessoas que a minha magia — seria mágica ou simplesmente azar? — havia ferido. Parando para pensar, o que Tory havia feito consigo mesma não era, no fundo, resultado direto de meu feitiço de amarração? Eu a havia amarrado para não fazer mal aos outros... ... mas não para não fazer mal a si mesma. Esse fato me machucou ainda mais quando ela finalmente chegou em casa e a vi ali com eles — com os pais e Petra — no hall quando corri para recebê-los. Tory estava pálida e parecia mais magra do que nunca. Mas mesmo pálida, não havia nada de fraco no modo como lançou um olhar,

que sem dúvida era de pura maldade, por cima do ombro quando parou de subir a escada depois de ouvir minha voz quando falei: — Ah, vocês chegaram. — Ah, Jean — disse tia Evelyn, enquanto tiravam o casaco de noite. — Ainda está acordada? Não precisava esperar. É tarde. — Fiquei preocupada demais para dormir. — Bom, não precisa mais se preocupar — o tio Ted olhou para Tory na escada. — Ela está bem. Graças a você. Ao ouvir isso, o rosto de Tory perdeu um pouco de palidez e assumiu uma espécie de vermelho manchado. Depois olhando pra mim, cuspiu: — Vou pegar você por isso, nem que seja a última coisa que eu faça, Jinx! — Tory! — o tio Ted ficou pasmo. — Sua prima pode ter salvado sua vida hoje. A coisa adequada seria agradecer a ela. — Ah, vou agradecer, sem dúvida — Tory soltou um riso de desprezo. — Tenho um agradecimento muito especial que estive guardando só para a Jinx. — Torrance! — a voz de tia Evelyn saiu tão dura que poderia ter cortado o vidro. — Vá para o seu quarto. Vamos discutir isso de manhã.Com seu terapeuta. Tory me lançou um último olhar funesto e depois subiu correndo a escada.

Quando a porta havia batido, Petra que estivera parada em silêncio junto da porta que dava na sala de estar, disse: — Bom, estou cansada. Se não for problemas para vocês, acho que vou dormir. — Claro, Petra — respondeu tia Evelyn num tom completamente diferente. — Muito obrigada por tudo o que fez esta noite. — Sem problema — respondeu Petra. — Fico feliz porque... bem. Fico feliz. Boa noite. Ela desapareceu pela porta que dava em seu aconchegante apartamento do porão. Assim que ela sumiu, virei-me para tia Evelyn e tio TED. Era hora. Eu havia feito com Zach. Agora era a vez deles. Não queria. Mas não tinha escolha. — Sei que vocês dois estão cansados e provavelmente querem ir para a cama. Mas só queria dizer como lamento não ter contado sobre as drogas. Quero dizer, que eu sabia que Tory tinha. E... e... — acrescentei essa última parte rapidamente, tendo ensaiado praticamente sem parar, na cabeça, desde que tinha visto Tory ser carregada para fora da casa naquela maca. — E se quiserem me mandar para casa, entendo completamente. Tia Evelyn e tio Ted me olharam como se eu tivesse sugerido que me degolassem. — Mandar você para casa? — ecoou tio Ted. — Por que faríamos isso? — Ah, Jean, querida. — Cheirando a um perfume exótico como sempre, e linda num vestido longo e preto, tia Evelyn passou o braço em volta de mim. — O que aconteceu esta noite não é sua culpa. Tory anda tendo... dificuldades... já há algum tempo. Desculpe ter sido rude com você ao

telefone. Eu só estava perturbada. Mas não culpamos você. De jeito nenhum. — Mas — como eu poderia explicar isso sem fazer Tory me odiar (não que ela já não odiasse) para sempre se descobrisse? — É só que... bem, esse negócio com o Zach... O rosto bonito de tia Evelyn endureceu e ela afastou o braço de mim. Mas não, como pensei a princípio, porque estava com raiva de mim.

— É disso que se trata? — perguntou ela. — Nós estávamos imaginando. Tory tem um fixação por ele há um bom tempo. É uma infelicidade ele não corresponder ao sentimento, mas eu expliquei a ela... que a vida é assim. Não é sua culpa se ele escolheu você e não ela. Fiquei vermelha até a raiz dos cabelos. — AAh, não — falei, horrorizada. — Zach e eu... não estamos namorando. Somos só amigos. Não sei porque Tory acha que é algo além disso. Tia Evelyn levantou as sobrancelhas. — Verdade? — perguntou. — Bem, porque ele sempre parece estar... Mas ela não terminou porque o tio Ted interrompeu; — Espere. Não estou acompanhando. Achei que Tory havia superado o negócio com o Zach. E o tal de Shawn? — Acho que são só amigos — disse tia Evelyn. É. Amigos com benefícios. — O negócio — senti que, de algum modo, o objetivo do meu discurso havia se perdido — é que acho que o fato de eu ser amiga de Zach foi que levou Tory a fazer o que fez. De modo que, se eu fosse para casa... — Você ainda não pode voltar para Hancock, Jean — tia Evelyn pareceu perturbada. — Ted e eu adoramos ter você aqui. E Teddy e Alice veneram você. Petra só consegue dizer coisas boas a seu respeito. Até Marta diz que você é um sopro de ar puro na casa. Você se tornou tão necessária aqui que nem sei o que faríamos sem a sua presença. — E — acrescentou tio Ted — francamente, acho que sua estada aqui tem sido boa para Tory. Sei que esta noite foi ruim. Mas imagine como poderia ter sido pior, se você não tivesse... bem, feito o que fez. Você é um bom exemplo para ela, Jean concordou tia Evelyn. — Você tem os pés plantados com muita firmeza no chão. Devo admitir, Jean, que eu realmente esperava que um pouco da sua boa influência passasse para Tory. Mordi o lábio inferior. Bom exemplo? Eles esperavam que um pouco da minha boa influência passasse para Tory? Meu Deus, não era de espantar que ela me odiasse tanto! Eu me odiava, ouvindo como eles me descreviam.

Mas a verdade é que eu não queria ir embora. Mesmo que tia Evelyn tivesse errado totalmente o alvo com seu comentário sobre "pés plantados com muita firmeza no chão". Ela claramente não fazia idéia de para onde eu ia amanhã — um lugar onde eu sabia que, agora que ia ficar na casa, não tinha opção a não ser ir. E eu não iria lhe contar.

— Certo — concordei. — Eu fico. Afinal de contas, qual era a pior coisa que poderia acontecer? Nada tão ruim quanto o que havia acontecido em Hancock. Pelo menos foi o que eu pensei naquele momento.

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