terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Capítulo 16 (Sorte ou Azar)
Capítulo 16:
Posso ter azar crônico – possivelmente provocado apenas por minhas próprias
inseguranças –, mas não sou idiota. Não contaria aos pais de Tory onde ela
havia conseguido a droga. Já estava sendo difícil me encaixar na escola –
considerando o rato sem cabeça que apareceu na porta do meu armário e os boatos
sobre o assédio na minha cidade – sem que me rotulassem de dedo-duro. De modo
que o fato de Shawn ser expulso não teve nada a ver comigo. Quando, durante o
terceiro período da manhã de segunda-feira, correu a notícia de que os
administradores da escola estavam revistando os armários das pessoas, nem
pensei nisso. Mas desconfiei quando, durante o quarto período (História dos
EUA, que por acaso eu fazia junto com Tory e Shawn, mas Tory não estava na
escola na segunda, porque tinha consultas com o terapeuta e com o médico), o
diretor apareceu na porta da sala e falou com a Sra. Tyler: — Posso falar com
Shawn Kettering, por favor? Até eu soube que não era bom sinal. Então, no
almoço, correu a notícia de que ele havia ido embora. Expulso. Havia dançado. —
Bem, eu, por mim, estou satisfeita. – Chanelle foi filosófica com relação à
coisa toda enquanto lambia a embalagem de seu Devil Dog. – Tipo, agora o Robert
vai ter muito mais dificuldade para conseguir. Você sabe. Bagulho. Claro, ele
poderia ir à Washington Square, comprar. Mas metade daqueles traficantes são
policiais disfarçados. Ele não vai se arriscar. Se for apanhado, os pais matam
ele. Agora talvez ele até fique careta no baile. Vai ser uma mudança. — Vou ter
que ir ao baile careta? – Robert pareceu meio nauseado. – Cara, isso não está
certo. — Ah, cai na real – disse Chanelle. – Vai ser bom você ver como é a vida
das pessoas normais. — Como a vida das pessoas normais é um saco – retrucou
Robert. Eu estava rindo da consternação dele quando uma voz familiar e grave,
muito perto do meu ouvido, disse: — Pode rir, DEDO-DURO. Quase engasguei
com o Nuggets. Virei-me no banco e vi Gretchen e Lindsey me encarando, de cara
feia.
— Está feliz agora, dedo-duro? – quis saber Gretchen. – Como se não
bastasse roubar Zach debaixo do nariz de Torrance? Tinha de fazer o namorado
dela ser expulso da escola, também? Olhei as duas garotas. — Eu não roubei o
Zach de ninguém – respondi quando finalmente encontrei a voz. – Ele e eu não estamos
namorando. E não sei do que você está falando, sobre o Shawn. Não fui eu que
contei. — Ah, até parece – Lindsey fez uma careta. – Filha de pastora? Claro
que foi você. — Não fui. — Pode dizer o que quiser, dedo-duro – rosnou
Gretchen. Em seguida ela e Lindsey pegaram as bandejas e foram para o canto
mais distante do refeitório. Quando me virei de volta para a mesa, perturbada,
Chanelle estava com uma expressão simpática. — Ah, Jean. Não deixe essas bruxas
pegarem no seu pé. Sabemos que não foi você. E, mesmo que fosse, quem poderia
culpá-la, depois do que aconteceu com Torrance? Porque, claro, a notícia da
tentativa de suicídio de Tory havia se espalhado pela escola como fogo na mata,
ainda que eu não tivesse dito uma palavra a respeito. — Não fui eu – insisti,
ferocidade. — Não se preocupe. – Robert parecia entediado. – Ninguém ouve
aquelas duas mocréias, mesmo. Mas ele estava errado. Ou isso ou Gretchen e
Lindsey não eram as únicas que estavam dizendo que eu havia dedurado o Shawn.
Em todo lugar aonde eu ia, as pessoas começavam a cochichar, e só paravam
quando eu olhava na direção delas. Quando chegou o horário da educação física,
no quinto período, eu já havia suportado tudo que podia. Só havia uma única
outra pessoa na Chapman cuja reação ao lance com o Shawn me importava. E ele
vinha me evitando como a peste desde a noite de sábado. Eu não havia chegado
suficientemente perto do Zach para trocar uma única palavra com ele, quanto
mais enfiar o sache de Lisa em sua mochila. Não que eu o culpasse. Contando os
meus problemas com Tory e depois o negócio de ser bruxa – e agora isso –, eu
devia parecer o grande imã de azar que eu sabia que, de fato, era.
O professor Winthrop tinha mandado a gente jogar softball de novo. Não foi
milagre eu e Zach pararmos no mesmo time. O professor Winthrop, num raro
momento de bom humor, aparentemente decidiu que seria hilário nomear
uma nerd musical – e supostamente dedo-duro, se bem que tenho quase certeza
de que ele ainda não sabia disso – como capitã de time. Zach, claro, foi a
primeira pessoa que escolhi. Ei, esse podia ser o único modo de conseguir fazer
com que ele falasse comigo. Mas eu estava errada. Mais uma vez. Ele falou
comigo por livre e espontânea vontade enquanto esperávamos nossa vez de
rebater. — E então, prima Jean de Iowa. Você não estava mentindo quando disse
que tinha azar crônico. Sério, você tem a pior sorte que eu já vi. Agora ouvi
dizer que é dedo-duro. Precisei me esforçar – de verdade – para não abrir o
berreiro ali mesmo, atrás da cerca de aramado, mesmo que todos soubéssemos que
choro não fazia parte das regras do beisebol. Nem do softball. — Não fui eu –
respondi um pouco alto demais. Todo mundo no nosso time olhou para mim. O
sorriso de Zach foi gentil. — Relaxa, Jean. Sei que não foi você. Mas é
interessante que o boato seja esse, não é? — Faz sentido – dei de ombros. –
Quero dizer, ela é minha prima. Eu sou nova aqui. Sou... — ... filha de
pastora. É, eu sei. Ouvi tudo isso, também. Então. O que vai fazer? Dei de
ombros outra vez. — O que eu posso fazer? — Ir ao baile comigo. Lancei-lhe um
olhar fulminante. — Pirou de vez? Isso só vai piorar tudo. Gretchen e Lindsey
já estão dizendo por aí... — Exatamente. Gretchen e Lindsey só estão pondo
lenha na fogueira. E por que você acha que elas estão fazendo isso? Porque não
quero me unir à Tory e ajudá-las a formar o coven de bruxas mais poderoso da
costa leste. Só que eu não podia dizer isso. Por isso, falei: — Porque me
odeiam. — Certo. Mas por que odeiam você? Porque Tory mandou. Balancei a
cabeça, confusa. — Está dizendo que Tory disse a elas que fui eu que fiz Shawn
ser expulso?
— Isso parece alguma coisa fora do comum, dado o que você sabe sobre sua
prima? Pensei nisso. Pensei mesmo. Só não conseguia ver Tory fazendo uma coisa
tão sorrateira. Fingir uma tentativa de suicídio, sendo tão dramática, sim. Mas
espalhar um boato a meu respeito, que ela sabia que não era verdadeiro? Por
outro lado, ela andava usando muito o MSN ultimamente... Mesmo assim. — Não
sei, Zach. Acho que nem mesmo Tory se rebaixaria tanto. — Ótimo. Mas no caso de
você mudar de idéia... o convite está de pé.
— O convite... para o baile? – Lamento dizer que no fim da frase a minha
voz subiu até se transformar num berro. — É – Zach pareceu achar aquilo
divertido, acho que por causa do lance do berro. – O próprio. — Mas... – A
verdade é que, mesmo tendo dito aquelas mesmas palavras duas noites antes,
dizer que eu não iria ao baile com ele era algo que continuava doendo... doía
mais ainda do que a oferta que fiz aos pais de Tory, de voltar para Hancock.
Mas eu sabia que não deveria cobrar um convite que ele poderia se arrepender de
ter feito. Quero dizer, não seria justo. Ninguém, nem mesmo um cara fantástico
como o Zach, quer se ligar a alguém com fama de dedo-duro. — Sério, Zach. Está tudo
bem. Você pode levar outra garota. Não vou me importar. Isso me mataria. Mas eu
não deixaria que ele soubesse. Mas, para minha surpresa, em vez de discutir
mais, ele disse: — Olha, você está estudando História dos EUA. A Sra. Tyler já
entrou nos diferentes estilos de governo? — Já – imaginei o que, afinal, isso
teria a ver com o baile. — Ela chegou ao governo estilo laissez-faire... que
deixa as coisas seguirem seu próprio rumo? — A abstenção, por parte do governo,
de intervir no livre mercado – disse eu. — Certo. Acho que você pode dizer que
eu sempre tive uma abordagem meio laissez-faire com relação a Tory. Enquanto
ela não pegasse no meu pé, eu não pegava no pé dela, entende? Durante um tempo,
suspeitei que ela fosse a fim de mim, mas...
— Mas você gostava de Petra – terminei por ele. – E enquanto continuasse
amigo de Tory, tinha uma desculpa para ir vê-la. Quero dizer, ver Petra. Ele
pareceu sem graça. — Bom. É. Basicamente. Pelo menos por um tempo. Mas o
negócio é o seguinte: não planejo continuar com a abordagem laissez-faire com
relação a Tory... nem com mais ninguém. Acho que está na hora de tomar partido.
— Mas Zach, se você e eu formos ao baile – falei, cautelosa –, e Tory ficar
furiosa e depois eu – engoli em seco – voltar para Hancock, você não terá mais
desculpa para ver Petra. Tory não vai perdoá-lo, e você sabe disso. — Sei. É
isso que estou tentando dizer. Estou preparado para esse sacrifício. Olhei-o,
curiosa. — Mas por quê? Por que faria isso? Você deixou de amar a Petra? Zach
estava com a expressão mais estranha do mundo no rosto. Parecia a meio caminho
entre a frustração e a diversão. Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas foi
interrompido pelo professor Winthrop, que berrou: — Rosen! Sua vez! Dando um
sorriso de desculpa, Zach foi pegar um taco. Recostei-me no banco, imaginando o
que ele iria dizer. Será que os
sentimentos de Zach por Petra haviam mudado? Será que o fato de vê-la tão
empolgada com a visita iminente de Willem por fim o fez perceber que nunca
teria chance com ela? O que estava acontecendo? Mas não consegui descobrir,
porque mais tarde, no jogo, alguém fez uma rebatida que colidiu com minha
cabeça (típico) e precisei ficar sentada na lateral até que o professor
Winthrop finalmente se convenceu de que eu não tive uma concussão e me deixou
voltar ao vestiário para me trocar. Mas se os sentimentos de Zach por Petra
eram passado, não eram os únicos, descobri quando cheguei em casa naquele dia.
Parece que o mesmo havia acontecido com os sentimentos de Tory por mim. Pelo
menos seus sentimentos de animosidade contra a minha pessoa. Ou pelo menos era
o que ela dizia. Eu estava estudando música no quarto quando ouvi a batida na
porta.
— Entre – falei, baixando o violino. Sabia que tinha de ser alguma coisa
importante. Eu havia enfiado na cabeça de Teddy e Alice que não deveria se
perturbada durante minha hora de estudo a cada tarde, não importando o que
tivesse acontecido no Bob Esponja. Eu deveria saber que não poderia ter sido
nenhum dos dois Gardiner mais novos, que realmente eram bons em não me
atrapalhar quando ouviam Stravinsky saindo do meu quarto. Em vez disso, era
Tory. — Ei – disse minha prima, depois de fechar a porta e se encostar nela. –
Tem um minuto? Encarei-a. Havia alguma coisa... diferente nela. Diferente
mesmo. A princípio não pude identificar direito. Então percebi. Ela não vestia
preto. Estava com jeans, jeans comuns, não dos que ela usava algumas vezes,
todos enfeitados com ankhs e pentagramas desenhados com marcador de tecido
preto. E também não estava usando uma tonelada de maquiagem. Sendo uma garota
de aparência incrível, Tory nunca havia precisado de todo o delineador e o
rímel que ela costumava colocar, de qualquer modo. Sem aquilo, parecia
igualmente linda... só que de um modo diferente, mais vulnerável. Havia outra
coisa diferente, também. Demorei mais um minuto para me dar conta do que era,
mas então percebi. Ela não estava me olhando com raiva. Na verdade, parecia...
bem, como se estivesse feliz em me ver. — Só queria pedir desculpas – disse ela
– pelo modo como tenho tratado você desde que chegou aqui. Quase larguei o
violino, de tão atônita.
— Sei que ultimamente tenho sido uma verdadeira psicótica – continuou Tory.
– Não sei o que anda acontecendo comigo. Acho que simplesmente foi demais: a
escola, a pressão para ser popular, o negócio com o Zach e... o lance de ser
bruxa. E acabei pegando pesado com você. O que não é justo. Agora consigo
perceber isso. Meu terapeuta, você sabe, aquele com quem
me consulto, está realmente me ajudando com isso. Assim, eu queria dizer
que sinto muito pelo modo como tenho agido, e agradecer pelo que você fez
naquela noite, com os remédios e coisa e tal. Sei que você só fez aquilo porque
estava preocupada comigo. Tenho sorte de ter tanta gente tão preocupada comigo.
Isso foi um verdadeiro alerta para mim. De modo que... obrigada, Jinx. E... se
não for problema para você... gostaria que me desse outra chance. Não consegui
parar de encará-la. Tinha ouvido falar de milagres realizados por terapias, mas
nunca esperei nada como aquilo. — Eu... – O que eu poderia dizer? Estava
empolgada por ter a antiga Tory, a de cinco anos atrás, de volta. Se fosse
realmente verdade. – Ah, Tory. Está falando sério? — Claro que estou – Tory
abriu um sorriso. Até o cabelo dela parecia diferente. Estava preso no alto,
fora dos olhos, de modo que ela quase parecia... bem... comportada. E feliz,
para variar. – E não quero mais brincar de ser bruxa. Essa coisa toda sobre
vovó e Branwen... era só idiotice. Assim como o negócio com o Zach e o
boneco... – Ela estremeceu. – Meu Deus! Não acredito que cheguei a fazer
aquilo. É tão vergonhoso! Coloquei aquele boneco idiota no lixo e esqueci dele,
como você mandou. Quero realmente que a gente seja amiga de novo, Jinx. Você
acha que pode? — Claro que a gente pode – respondi. Porém havia alguma coisa me
incomodando... e não era só o minúsculo nó que começava a se formar no meu
estômago. – Mas e o... Shawn?
— Shawn? – Tory ficou confusa. Depois riu. – Ah, Shawn! Eu sei, dá para
acreditar? Não acredito que alguém o entregou desse jeito. Mas ele vai ficar
bem. Ouvi falar que o pai dele já mexeu uns pauzinhos para colocá-lo na
Spencer. Se bem que o doutor Kettering teve de trancar todos os blocos de
receita. Encarei-a. — Suas amigas, Gretchen e Lindsey, parecem achar que fui eu
que fiz isso. A escola toda parece achar que fui eu. — É? – Tory balançou a
cabeça. – Mas que idiotice! Claro que não foi você. Não acredito. Meu Deus,
você tem realmente um tremendo azar, Jean. Sempre teve. Essa é uma das coisas
que mais adoro em você, acho. Você é simplesmente tão... previsível. Encarei-a.
Ela parecia realmente estar falando sério. Parecia ser... bem, a antiga Tory.
Parecia mesmo. A próxima coisa que percebi foi que eu estava indo abraçá-la –
depois notei que ainda segurava o arco e o violino. Rindo, pousei-os e segui
para abraçá-la. Não podia acreditar! Enquanto ela me abraçava, tive de piscar
para afastar as lágrimas dos olhos. Não aprecia possível, mas estava mesmo
acontecendo. Eu tinha a antiga Tory de volta! — Ah, Jean – disse ela quando
finalmente nos soltamos. – Fico tão feliz porque você me perdoa! Em especial
porque fui tão horrível com você.
— Tory – Balancei a cabeça. – Sempre vou perdoar você. Primas são para
isso, não é? Mas... – Havia sido necessária uma ida ao hospital, para dar um
jeito nela, mas Tory parecia genuinamente com remorsos. Mesmo assim. – Você tem
mesmo certeza... quero dizer... — Ah, Jean, não precisa mais se preocupar
comigo – ela riu. – Estou legal, verdade. Só espero que você não... você sabe.
Não se sinta sem jeito. Não com relação ao negócio de ser bruxa, mas com
relação ao Zach. Eu realmente superei. Verdade. Juro. Não me importo nem um
pouco que vocês estejam namorando. Na verdade acho que vocês formam um casal
lindo. Serão um casal fantástico no baile.
— Obrigada – agradeci, desconfortável. — Mas, como vivo dizendo... nós não
estamos namorando. Certamente não vamos ao baile juntos. — Por quê? Ele não
convidou? – Os olhos de Tory estavam cheios de preocupação. – É estranho. Quero
dizer, vocês dois ficaram tão unidos... mesmo que sejam só amigos, achei que
ele iria convidar você para o baile... — Bem – fiquei sem jeito. – Ele
convidou. Mas eu recusei. Porque não parece... — Ah, Jean! – exclamou Tory,
vindo até mim e apertando meu braço. – Vocês dois têm de ir juntos! Têm! Não
vai ser a mesma coisa, se você não estiver lá. — Se eu não... – Minha voz ficou
no ar. – Você ainda vai? Mas eu pensei... — Claro que vou! Não com o Shawn,
claro. Ele não pode ir a nenhum evento da escola. Mas pensei em ir, você sabe,
sozinha. Um monte de garotas vai. Não vou parecer a maior esquisita de lá por
causa disso, nem de longe. E quem sabe? Talvez eu encontre alguém... alguém um
pouquinho mais interessado em ser só amigo, em vez de amigo com benefícios. –
Ela piscou para mim. – Se é que você entende. — Grande idéia – respondi,
pensando que era exatamente disso que Tory precisava: um recomeço,
especialmente no departamento do namoro. – Espere, já sei. Por que não vamos
juntas? Você e eu... podemos procurar uns caras novos, nós duas... — Ah, não. E
deixar o coitado do Zach de fora? Não é justo. Você precisa ir com o Zach,
Jean. Precisa ir. Se não for... bem, vou achar que foi por minha causa. —
Bem... – hesitei. Tory bateu na boca. — Ah, não! É por minha causa, não é? Ah,
Jean, estou me sentindo péssima. Péssima! Não quero que meus problemas idiotas
afetem outras pessoas. Jean, você precisa ir com ele. Precisa ir. — Mas eu já
disse que não iria – expliquei meio impotente. — E se você ligasse para ele e
dissesse que mudou de idéia? Tenho certeza que ele ainda vai querer ir. —
Bem... Não sei. Talvez. Mas...
— Ah, liga para ele. – Tory pegou o telefone sem fio que estava na minha
mesinha-de-cabeceira. – Liga agora mesmo e diz que mudou de idéia. — Não é tão
fácil, Tory – pensei na expressão de Zach na última vez em que eu o tinha
visto, quando perguntei se ele ainda estava apaixonado por Petra. Ele havia
parecido tão estranho... Se não estava mais apaixonado por Petra, que incentivo
teria para ficar perto de mim? Nenhum, claro. — Você nunca vai ter certeza, se
não tentar – Tory estendeu o telefone para mim. Olhei para o aparelho. Ela
estava certa, claro. E que mal faria perguntar? Dando de ombros, peguei o
telefone e digitei o número do Zach. Ele atendeu ao segundo toque. — Zach? – falei.
– Sou eu, Jean. Não percebi que estava prendendo o fôlego até que ele disse: —
Ah, ei – numa voz que indicava que estava até feliz em falar comigo. Então
soltei o ar, num jorro. — Como vão as coisas? – perguntou ele. – Como vai sua
cabeça? Te procurei depois da aula, mas você tinha ido embora. — É, agora estou
legal – encolhi-me diante dessa lembrança de minha muito embaraçosa
incapacidade atlética. — Bom. E como vai sua prima? Ela... — Tory está ótima –
interrompi, rindo para Tory. Ela riu de volta, levantando os polegares para dar
sorte. – Na verdade, é meio por isso que estou ligando... por causa do baile da
primavera. O negócio é que... hoje Tory está se sentindo muito, muito melhor. E
disse que realmente odiaria se a gente não fosse ao baile por causa dela. — Ah,
ela disse isso, foi? — Disse. De verdade. Por isso eu estava imaginando se você
ainda queria ir. – Percebi que estava com as palmas das mãos suadas e
enxuguei-as nos jeans, transferindo o telefone de uma das mãos para a outra. –
Quero dizer, comigo. — Jean – disse Zach. — O quê? — Tory está aí no quarto com
você, agora? — Ahã – respondi, tendo o cuidado de não encarar Tory. — Não acha
que isso parece alguma armação?
— O quê? – fiquei espantada. – Não. Não, Zach, não é nada disso. Tory vai
ao baile também... sozinha, é claro, por causa do que aconteceu com o Shawn. E
disse que iria se sentir mal se a gente não fosse. Pigarreei. Era esquisito
demais. Porque, se o que acho que Zach estava tentando me dizer sobre o baile
fosse verdade, ele nem gostava mais de Petra daquele jeito. Então por que iria
querer ficar perto de mim? — Não tem nenhum problema se você já arranjou alguém
para levar – acrescentei depressa. – Eu só estava checando. Para o caso de não
ter arranjado. Mas se vai com alguém, não tem problema, verdade...
— Não é isso. Só que você não acha que isso é algum tipo de... — Jean –
disse Tory. Olhei para ela. Tory estava estendendo a mão. – Deixe eu falar com
ele. Sem saber o que fazer, entreguei o telefone a Tory. Ela disse na voz mais
animada que já havia usado na minha frente: — Zach? Oi, sou eu, Torrance. Olha,
Zach, sei que parece repentino, mas estou realmente agradecida pelo que Jean
fez por mim. Só queria que minha prima soubesse como me arrependo e como andei
tratando-a desde que chegou aqui, e... o quê? Ah, claro, Zach. Já fiz isso. E
Jean parece mesmo a fim de me dar outra chance. Eu esperava que você também
pudesse dar. Houve um silêncio enquanto Tory ouvia o que Zach estava dizendo.
Depois, o rosto dela se abriu num sorriso enorme. — Ótimo – ela comentou. –
Obrigada, Zach. Você não vai se arrepender. É. Está aqui. Ela me devolveu o
telefone, murmurando: Ele disse que sim! Não dava para acreditar. Sorrindo,
encostei o fone no ouvido. — Zach? — Ou ela pirou de vez ou está tentando aprontar
alguma para cima de você – disse Zach. – Mas não sei como vamos provar qualquer
uma das hipóteses. Então acho que devemos ir. Pelo menos, se estivermos juntos,
vou poder ficar de olho nela. Além disso, quanto problema alguém pode causar
num baile de escola?
— Verdade – lancei um olhar nervoso para Tory, preocupada com a hipótese de
ela ter ouvido. Mas ela estava olhando para a partitura que eu estava tocando e
não parecia prestar a mínima atenção. – Parece legal... Então... – Eu queria
perguntar sobre o que ele havia dito no jogo, sobre Petra, mas descobri que não
podia, com Tory ainda no quarto. — Ela ainda está aí? – perguntou Zach. — Sim.
— Olha, falo com você amanhã, na escola. Certo? — Certo – concordei, aliviada.
Aliviada porque não teria de tocar no nome de Petra, afinal de contas. Porque
havia uma parte minha que realmente, realmente mesmo, não queria saber. –
Tchau. — Tchau – Zach desligou. Coloquei o telefone na base. — Bom – falei a
Tory. – É isso aí. — Ele disse que sim, mesmo? – perguntou ela, ansiosa. —
Disse mesmo. — Uau! – Tory ficou pulando e batendo palmas, se parecendo tanto
com o que era antigamente, a Tory com quem eu havia me divertido horrores há
cinco anos, que ficou impossível achar que Zach poderia estar certo com relação
a ela. Talvez ele só estivesse sendo um nova-iorquino blasé. Talvez Tory
tivesse realmente aprendido uma lição e mudado. Mas eu estava pensando no que
ela havia dito antes, sobre ter posto o boneco do Zach no lixo. Seria verdade?
Não que eu – diferentemente do Zach – não acreditasse na transformação
dela. Mas não conseguia tirar da cabeça aquele olhar que ela havia me dado no
sábado à noite, na escada. Era ótimo que ela tivesse tido essa mudança de
atitude, que tivesse desistido do negócio de ser bruxa – o que, em seu caso,
não havia sido algo que lhe dera força, como deveria ter sido, e fora mais
perigoso do que qualquer outra coisa. Mas e se não fosse verdade? Digo, e se
tudo fosse fingimento? Fiquei me sentindo PÉSSIMA só por pensar em uma coisa
dessas. Quero dizer, era óbvio demais que Tory estava pronta para um recomeço.
Até pediu para ficar sentada me ouvindo ensaiar. Deixei, claro – estava
lisonjeada demais para dizer não.
E então, quando ela sugeriu que a gente descesse e fizesse sundaes com
calda quente e assistisse a umas reprises de The Real World, bem, também não
recusei.
Porém mais tarde, naquela noite, depois do jantar – a refeição mais
agradável que eu havia tido na casa dos Gardiner, vendo como Tory conversava
animada o tempo todo, em vez de fazer comentários carrancudos sobre tudo que as
pessoas diziam – saí pela porta da frente, desci a escada e fui para a rua.
Onde comecei a revirar o lixo dos Gardiner. Não demorei muito a encontrar.
Estava numa sacola de compras Eu ♥
Nova York, sozinho. O boneco do Zach, feito por Tory. Ela HAVIA mesmo jogado
fora. Ela HAVIA mesmo mudado. E, mesmo ela tendo dito que não queria mais brincar de
bruxa, levei o boneco do Zach, dentro da sacola, de novo para dentro de casa. Não porque não confiasse nela – não era
isso DE JEITO NENHUM. Só que... bem, quer Tory tivesse o dom da magia ou não,
ainda era um boneco com o cabelo do Zach. E de jeito nenhum eu iria deixá-lo
mofar em algum aterro em Staten Island. Levei o boneco para o meu quarto e tirei
da sacola plástica. Era realmente o boneco mais horrível que eu tinha visto.
Mesmo assim, simbolizava o Zach. Quem poderia saber? Talvez eu o entregasse a
ele algum dia (depois de fazer com que ele jurasse segredo com relação a onde
eu o havia conseguido), só para rir um pouco. Mas então, no momento em que ia
cair no sono naquela noite, uma coisa me ocorreu. Era idiotice, eu sabia. Mas
mesmo assim isso me impeliu a levantar e tirar o boneco do esconderijo que eu
havia arranjado. E sei que provavelmente era a coisa mais idiota para se fazer
no muno. Mas também sabia que não voltaria a dormir se não fizesse isso:
separei com
cuidado todos os fios do cabelo de Tory, deixando só os de Zach na cabeça
do boneco, e joguei os de Tory no vaso sanitário. Depois, recoloquei o boneco
no lugar e caí no sono mais profundo que já havia experimentado desde que tinha
me mudado para Nova York. Talvez a moça da Encantos estivesse certa.
Tudo realmente iria ficar bem.
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