terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Capítulo 18 (Sorte ou Azar)


Capítulo 18:                          

Tenho um agradecimento muito especial que venho guardando, especialmente para a Jinx. Foi o que Tory havia dito. Eu tinha sido idiota em não enxergar o que viria. Tinha sido idiota em achar que ela não falava sério. ― Não acredito – murmurei dentro do saco de papel. – Simplesmente não acredito. ― Shhh – disse Chanelle. – Só respire. ― Não acredito que ela estava mentindo – levantei o rosto fora do saco de papel, para falar. – O tempo todo. Ela não mudou. Disse que tinha um agradecimento muito especial para mim... e tinha. ― Se você não respirar dentro do saco – insistiu Chanelle – não vai melhorar. Respirei no saco. Era horrível. Era pior do que horrível. Era a pior coisa que já havia me acontecido em toda a vida. E, considerando a falta de sorte que tive durante a vida, isso queria realmente dizer alguma coisa. Ao ver que eu estava respirando de modo um pouco mais regular, Chanelle – cuja preocupação comigo era total e sincera... afinal de contas, ela era a pessoa que havia me levado para o banheiro feminino – parou de olhar o próprio reflexo no espelho de moldura dourada acima das pias e perguntou: ― Está melhor, agora? Confirmei com a cabeça dentro do saco. ― Tudo bem – disse ela. – Então fale. Quem é o cara? Baixei o saco e fiquei surpresa ao descobrir que podia respirar normalmente outra vez. Deus abençoe a mulher baixinha que trabalhava no banheiro, e que tinha um saco de papel à mão, e que agora estava me olhando com preocupação maternal, em seu pequeno uniforme preto-e-branco. ― O nome dele é Dylan – respondi. – Ele... é um amigo, da minha cidade. – Não podia lhe dizer a verdade. Não podia. Era horrível demais. Chanelle arqueou uma única sobrancelha. ― Só isso? Então por que você pirou, daquele jeito? ― Só... fiquei surpresa ao vê-lo aqui, só isso. – Meu coração já havia desacelerado, mas eu continuava agitada. O que ele estava fazendo aqui? Como havia chegado aqui? Mas eu sabia a resposta às duas perguntas. Sabia bem demais.

Tenho um agradecimento muito especial que venho guardando, especialmente para a Jinx. E quando ela entrou um segundo depois, com o maior sorriso do mundo no rosto, tive de me esforçar para não sair correndo do banheiro feminino do Waldorf-Astoria. ― Ah, Jinx, aí está você. – Tory ficou parada, reluzente no incrível vestido branco. Parecia preocupada, a própria imagem da devoção de prima. – Todo mundo está tão preocupado com você, com o modo como você correu para cá! Está tudo bem? ― Ela está ótima – Chanelle me deu um tapinha no ombro. – Só teve um pequeno choque. ― Sei que eu deveria ter lhe contado sobre o Dylan – Tory sorriu para a funcionária do banheiro, que havia se levantado e estava arrumando sua coleção de frascos de laquê, grampos, absorventes internos e coisas do tipo, fingindo que não ouvia nossa conversa. – Mas achei que seria uma boa surpresa. Considerando que vocês dois eram tão... íntimos. ― Ah – achei que logo teria outra utilidade para o saco de papel, de tanto que meu estômago se revirava. – Foi mesmo uma surpresa. ― Agradável, espero – disse Tory, com um sorriso permanente nos lábios perfeitamente maquiados. – Dylan está muito feliz em ver você. Por que não sai agora para dar um oi? Ele e Zach estão se dando muito bem. ― Aposto que estão – respondi. Como pude ser tão idiota? Como pude achar que ela havia mudado? Zach me alertou e eu não quis ouvir porque queria mais do que tudo estar certa com relação a Tory. Quando a verdade era que eu não poderia estar mais errada. ― Vamos, bobonas. – Inspecionando o próprio reflexo, Tory deu um último tapinha no cabelo e se virou para sair. – Não vamos deixar os garotos esperando. Chanelle se virou para mim. ― Você está legal mesmo, Jinx? ― Ah – levantei-me trêmula. Talvez eu pudesse ir discretamente até a segurança. É, era isso. Eu poderia contar aos seguranças que Dylan...

... que Dylan o quê? Ele não tinha feito nada. Era convidado de uma aluna da escola Chapman. Mesmo que a segurança concordasse em retirá-lo, Dylan protestaria, com todo o direito. Provavelmente acabaria aprontando uma cena. E, se não fizesse isso, Tory certamente faria. E arruinaria o baile... não somente para mim, mas para Zach também. Retirar o Dylan só atrairia mais atenção para o problema... Quando na verdade era que eu nem tinha certeza de que ainda existia um problema. Muito tempo havia se passado desde que eu o tinha visto pela última vez. Talvez ele tivesse superado. Talvez tudo ficasse bem... É. E talvez fosse por mim que Zach estivesse apaixonado, e não por Petra. Certo. ― Estou bem – respondia para Chanelle. Porque não havia nada,

absolutamente nada, que eu pudesse fazer. ― Ótimo. – Tory deu outro sorriso de rainha da beleza para mim. – Vamos. Meu estômago estava com um nó tão grande que parecia que alguém havia me dado um soco na barriga. Acompanhei Tory e Chanelle de volta para o saguão do hotel. Como Tory havia dito, Dylan e Zach batiam papo do lado de fora do salão de baile, enquanto Robert estava ali parado, parecendo eu queria estar em outro local... provavelmente no caramanchão dos Gardiner. Não o culpei. Eu também queria estar lá. Zach, que obviamente estivera vigiando a porta do banheiro feminino, me esperando, animou-se ao me ver. Dylan, aparentemente notando o sorriso de Zach, virou-se para me encarar e também se animou. ― Aí está você – disse Dylan enquanto nos aproximávamos. – Estávamos preocupados. ― É só coisa de mulher – respondeu Chanelle cantarolando. – Agora está tudo bem. ― É bom saber. – Dylan sorria para mim, aqueles olhos azuis que um dia me convenci de que amava parecendo cheios de preocupação... e adoração. Certo. Bem, talvez ele ainda não estivesse exatamente de volta ao normal. Mas isso não significava... – Agora podemos nos cumprimentar direito. Faz muito tempo, Jean. É realmente bom ver você. Então ele se curvou para me beijar.

Só um beijo de olá. Só um beijo do tipo não vejo você há muito tempo. Mas mesmo assim dei um passo involuntário para trás, para evitar. É, isso mesmo. E me encolhi. Encolhi-me para longe do beijo de um cara totalmente gato por quem já estive apaixonada. Ou por quem pelo menos pensei que estivesse apaixonada. ― É bom ver você também, Dylan – respondi depressa, oferecendo a mão direita para apertar a dele. – Como vai? ― Ah – Dylan olhou nossas mãos entrelaçadas enquanto eu apertava a dele com força. – Estou bem. ― Que bom – comentei, alto demais. Outras pessoas, que entravam no salão de baile com suas roupas chiques, me olharam, curiosas. Todas as garotas, menos Tory, usavam preto. – Isso é bom. Bem. – Larguei a mão dele e passei os dedos pelo braço de Zach. – É melhor entrarmos. Vamos começar a festa e coisa e tal. Vejo vocês mais tarde. E fui arrastando o Zach para o salão de baile do Waldorf-Astoria, com um sorriso falso grudado no rosto enquanto parávamos diante do mapa de lugares para ver qual seria a nossa mesa. ― Você vai me dizer que diabo está acontecendo? – perguntou Zach, com um sorriso igualmente falso grudado no rosto. Só que nele ficava lindo. ― Nada – falei através do sorriso. – Absolutamente nada. Está tudo bem. Ah, olha, mesa sete. Aqui, perto da janela. ― Não está nada bem – disse Zach enquanto assentia para outros caras que ele conhecia, que passavam e diziam: E aí, Rosen? – Não sou idiota. Não é exatamente tranqüilizador quando a acompanhante de alguém vê outro cara

num baile e começa a ficar sem fôlego. ― Ah – abandonei o sorriso –, você notou? ― É. – O sorriso de Zach também desapareceu. – Notei. Quem é ele, Jean? O que está acontecendo? ― Ele só é... – Meus ombros se afrouxaram... o que era perigoso porque, se eu não ficasse ereta, as tirinhas do meu vestido cairiam, e isso não era bom, considerando que elas eram praticamente a única coisa que mantinha o vestido no lugar. – Ele só é... ele – falei, arrasada.

― Ele quem? – perguntou Zach, cheio de frustração. ― Ele – respondi, em tom significativo. – O cara. O cara que me fez fugir para Nova York. ― Espera aí. – Zach olhou por cima do ombro para Tory e Dylan, que estavam verificando o mapa de lugares para ver onde deveriam se sentar. – Ele? Ele é O TAL cara? O que estava perseguindo você? ― Shhh – falei quando uma garota da mesa próxima levantou a cabeça depressa, depois de ouvir a palavra perseguindo. – Ele não estava... eu lhe disse. Ele não estava exatamente me perseguindo ou assediando. Bom, quero dizer, estava, mas... ― Ele está aqui, não é? Eu diria que isso é assédio. ― Ele está aqui porque Tory convidou. ― E por que diabos ela faria isso? ― Para se vingar de mim. Tínhamos chegado aos nossos lugares na mesa sete. Havia seis lugares, cada um lindamente arrumado com uns trinta talheres e uns oito pratos. Isso era muito mais chique do que os bailes da nossa escola em Hancock, onde jantávamos antes do baile, geralmente na lanchonete local, e não NO baile. Depois nos reuníamos no ginásio da escola com um DJ e umas guirlandas de festa, e não uma orquestra completa e lustres no teto. ― Tory fez o cara vir de avião para cá – disse Zach – para se vingar de você por... que motivo, exatamente? O negócio da bruxaria? Pelo que você fez com os comprimidos? Por causa do Shawn? Ou... de mim? ― Pode escolher. Pode ser qualquer das respostas acima. Ou todas. Ou até outra coisa totalmente diferente. Quem pode saber, quando se trata de Tory? E todos achávamos que ela estava indo tão bem! Correção. Todos, menos Zach, achavam que ela estava indo tão bem. ― Bom, qual é a desse cara? Ele é perigoso? A gente deveria falar com a segurança? Jean... você quer ir embora?

― Não – sentei-me no lugar que me fora designado. – Ah, não, Zach. Não é nada disso. Ele só... ele só gostava realmente de mim, certo? E o sentimento não era mútuo. Bem, tinha sido, mas não era mais. Mas ele... não quis me deixar em paz. Ficava ligando para minha casa a qualquer hora, e... aparecia lá, também. Tipo no meio da noite. Meu pai finalmente teve de mandar que ele me deixasse em paz. Mas mesmo assim ele ficava aparecendo em todo lugar que eu estava... na igreja. Na biblioteca. Nas casas onde eu fazia uns

bicos de babá. Só ficava tipo... me seguindo. Por isso nós finalmente decidimos que eu deveria passar um tempo longe. E vim para cá. Claro que eu não podia contar toda a verdade ao Zach. Nem de longe. Que a princípio fiquei empolgada com a atenção do Dylan. Quero dizer, eu tinha uma paixonite por Dylan desde que ele era do primeiro ano, uma figura tão romântica e aparentemente inalcançável, capitão do time de futebol, representante de turma, só tirava dez, desejado por líderes de torcida e nerds de orquestra idiotas como eu. Quando, no último ano, ele finalmente me notou, depois me convidou para sair, fiquei nas nuvens. Minhas colegas nem podiam acreditar – nem eu – que Jinx Honeychurch, que não fosse a má sorte não teria sorte alguma, havia sido convidada para sair com Dylan Peterson, o cara mais popular da Escola Hancock. Mas era verdade. Aconteceu. E nem bem compartilhamos nosso primeiro sorvete juntos no Dairy Queen, Dylan me pediu em namoro, e eu, achando que havia morrido e ido para o céu, concordei. Mas, por acaso, ser namorada do Dylan era muito mais complicado do que eu havia previsto. Dylan esperava que eu estivesse absolutamente em todos os jogos dele... até os que conflitavam com meus concertos da orquestra. Se eu não estivesse lá, ele ficava chateado e dizia que eu não o amava. O que não era verdade. Pelo menos não a princípio.

Depois ele não queria somente que eu fosse aos seus jogos de futebol. Queria que eu estivesse com ele o tempo todo. Queria me levar para a escola de manhã, depois que eu almoçasse com ele, depois assistisse ao treino de futebol após as aulas, depois jantasse na sua casa e fizesse o dever de casa com ele... até esperaria que eu passasse a noite lá, tenho certeza, se seus pais – e os meus – tivessem deixado. Ficava chateado se eu dissesse que queria ir ao cinema com minhas amigas ou ficar em casa para estudar violino. Logo o que eu havia pensado que era um sonho se transformou num pesadelo ao vivo e em cores... Até eu finalmente perceber que qualquer amor que eu tivesse sentido por ele havia desaparecido, e não queria mais passar NENHUM tempo com ele, quanto mais todos os momentos do dia, como ele queria. Por isso, terminei com Dylan. Tentei fazer isso com gentileza. Disse que o problema não era ele, mas eu. Afirmei que eu não era suficientemente madura para um relacionamento daquela intensidade, e eu as coisas estavam indo depressa demais para mim. Disse que precisava de um pouco de espaço, e que no momento tinha de me concentrar na escola e na música. Insisti que precisava ver minhas amigas e trabalhar de babá nos fins de semana, e não simplesmente passar o tempo todo com ele. Ele disse que entendia totalmente e que, se eu lhe desse outra chance, me deixaria ter mais espaço.

Mas o negócio é que eu não queria dar outra chance a Dylan. Porque, naquela altura, eu nem gostava mais dele. Por isso contei uma mentira. Contei que meus pais disseram que eu não podia mais sair com ele porque ele era velho demais para mim, e que eles achavam que as coisas estavam indo depressa demais. Ei, sou filha de uma pastora, o que ele esperava? Foi a coisa errada. Eu simplesmente deveria ter dito desde o início: ―Não te amo mais.‖

Porque então ele decidiu que nós éramos amantes impossíveis, como Romeu e Julieta, e que meus pais estavam decididos a nos separar, e que se não fosse por eles estaríamos juntos. Foi então que começaram os telefonemas, as visitas no meio da noite e o negócio de me seguir em toda parte. Uma noite, finalmente falei – depois de ele me acordar às quatro da manhã jogando pedrinhas na minha janela e implorando que eu fosse conversar com ele – que não o amava e que ele deveria me deixar em paz. Mas Dylan já tinha ido longe demais, para acreditar em mim. Por isso saí da cidade. Não sabia o que fazer. Não queria que a coisa terminasse no estilo Amor sem fim, onde o cara tentaria incendiar minha casa ou algo do tipo (e, dada a minha sorte, era exatamente isso que iria acontecer). Eu não ter podido simplesmente me apaixonar por um cara e ele gostar de mim também de um modo legal, saudável, normal, era simplesmente outra indicação de como as estrelas estavam mal-alinhadas na noite em eu apareci no planeta Terra. Quero dizer, ser obrigada a fugir para o outro lado do país para me livrar de um namorado obsessivo poderia ser a idéia de romance para Lindsey. Mas certamente não era para mim. E agora eu tinha o prazer de saber que não havia conseguido fazer nem isso direito (quero dizer, fugir para o outro lado do país). Porque aqui estava ele, no baile de primavera da minha nova escola. Legal. Muito legal. Por que Tory não pôde simplesmente me dar um tiro e acabar com tudo? Seria muitíssimo menos doloroso. E, vergonhoso. ― Então, durante todo esse tempo, quando a gente pensou que ela estava bem – Zach ocupou o seu lugar ao meu lado na mesa sete –, Tory estava planejando isso. ― Acho que sim. E você não precisa dizer ―a gente‖. Você estava certo. Ah, Zach, lamento muito. ― Você lamenta muito? – Zach balançou o guardanapo e pôs no colo. – O que você tem para lamentar? A culpa não é sua. ― É sim – a sensação no meu estômago estava pior do que nunca. – Acredite. É.

― O quê, o cara ter ficado maluco por você? Ou sua prima ter pegado no seu pé por algum motivo? Acredite em mim, Jean. Nenhuma dessas coisas é sua

culpa. Mas ele não sabia da história completa. Pelo menos ainda não sabia. ― Então o que você quer fazer, Jean? – perguntou Zach. – Porque estou achando que talvez fosse melhor a gente ir embora. ― Ah! Não, Zach. Por minha causa, não. Ou por ele. Vai ficar tudo bem. Verdade. Eu tinha de ficar. Não poderia ficar pior. ― Ah, ei! – Chanelle apareceu perto da mesa, segurando um pequeno cartão de papel marfim que havia apanhado no mapa de lugares. – Mesa sete? ― Mesa sete – Zach indicou o enfeite no centro da mesa, onde se destacava um número sete. – Bem-vinda. ― Que bom! – disse Chanelle. – Estou feliz por que a gente não tem de ficar com um monte de idiotas. Sente-se, Robert. – Robert sentou-se ao lado de Chanelle, que havia ocupado o lugar vazio à frente de Zach. – Olhe toda essa prataria. Por que precisamos disso tudo? Ah, meu Deus, garfo para peixe? Odeio peixe. Quem decidiu ter peixe no baile? O hálito de todo mundo vai feder. E então, de repente, justo quando eu havia começado a achar que ficaria bem, e que as coisas não poderiam piorar, pioraram. ― Oi, pessoal. Escutei a voz mas não levantei a cabeça. Não precisava. ― Não é divertido? – Tory ocupou o lugar ao lado de Zach. Senti a cadeira ao lado da minha se mexer e soube que Dylan havia se sentado nela. – Tudo está tão lindo. A comissão do baile realmente caprichou, hein? ― Vão servir peixe – informou Chanelle com desdém, segurando o garfo de peixe. ― Tenho certeza de que será delicioso – Tory levantou o guardanapo e abri-o com habilidade, antes de colocar no colo branco cor de neve. – Mal posso esperar... ― Nem eu – disse Dylan. – Sem dúvida é muito melhor do que o baile de formatura em Hancock, não é, Jinx?

O som da voz dele, que um dia havia empolgado cada nervo do meu corpo, agora me fazia sentir como se alguma coisa estivesse se arrastando pelas minhas costas. Para ver o quanto eu não o amava mais. Imaginei se algum dia teria amado, para estar me sentindo daquele jeito. ― É – respondi numa voz completamente desprovida de entusiasmo. Não dava para acreditar. Isso não deveria ter acontecido. Eu estava usando meu pentagrama! E na minha bolsinha havia um pequeno saco com temperos – como aquele que a moça boazinha da Encantos havia feito para o Zach. Isso não deveria me proteger de coisas assim? E que tal aquele feitiço de amarração que eu havia feito para Tory? Ela não deveria ser capaz de me fazer mal. Então percebi que todas essas coisas – o pentagrama, o sachê e o feitiço de amarração – só poderiam me proteger de magia. O que Tory havia feito naquela noite não era magia.

Não havia absolutamente nada de mágico. Só fora necessário um pouco de habilidade investigativa e um bom cartão de crédito. ― Gostaria de propor um brinde – Dylan levantou seu copo d’água assim que o garçom havia aparecido e enchido todos os nossos, usando uma jarra de cristal. Eu tinha certeza de que ia vomitar. ― Aos velhos amigos – Dylan olhou diretamente para mim. ― Aos velhos amigos – ecoou Chanelle. – Ah, isso é ótimo. E aos novos também, certo, Jean? Levantei meu copo d’água. ― É. – Fiquei pasma porque consegui falar ao menos uma palavra. Olhei na direção de Zach e vi que ele estava me olhando. Levantou uma sobrancelha. Sua expressão dizia claramente: Qual é! Não é tão ruim. E estava certo. Não era. E depois ficou. ― Então, Tory – disse Chanelle, enquanto uma equipe de garçons punha o primeiro prato à nossa frente. Uma salada mista com molho vinagrete. – Como conheceu Dylan?

― Ah, na verdade é uma história engraçada – respondeu Tory depois de engolir um pouco da salada. – Eu sabia que Jinx havia saído com um cara chamado Dylan, mas não sabia qual era o sobrenome, nem nada. Por isso liguei para a irmã dela, Courtney, que ficou toda feliz em me falar sobre ele. Era isso. Quando eu voltasse a Hancock, a primeira coisa que teria de fazer era matar Courtney. Isto é, se eu sobrevivesse àquela noite. ― Então liguei para Dylan e a gente bateu papo. – Tory parou para lançar um sorriso luminoso para Dylan... que, um tanto para minha surpresa, sorriu de volta para ela, quase como se... bem, quase como se gostasse dela – e achei que seria uma surpresa divertida para Jinx, que, mesmo eu sabendo que ela não mencionou isso a todos vocês, andava com um bocado de saudade da cidade dela, trazê-lo aqui para o baile. Foi o que fiz. Infelizmente o avião dele atrasou, caso contrário teria encontrado a gente lá em casa. Mas acho que funcionou ainda melhor. Não acha, Jinx? ― Ah, é – mexi as folhas da salada no prato. De jeito nenhum eu conseguia me obrigar a comer. – Funcionou muitíssimo bem. ― Achei que era o mínimo que eu poderia fazer – continuou Tory, no mesmo tom casual. – Trazer o Dylan de avião, e coisa e tal. Mostrar a Jinx como estou agradecida por todas as coisas que ela fez por mim desde que chegou aqui. Como roubar minha melhor amiga. Ah, e dedurar o Shawn. Ah, e roubar o Zach debaixo do meu nariz. Chanelle largou o garfo. Todos os outros na mesa – inclusive Dylan – estavam olhando para Tory, em choque. Robert foi o primeiro a romper o silêncio. ― Você disse que não dedurou o Shawn – disse ele, me olhando com ar acusador.

Meus olhos haviam se enchido de lágrimas. Eu tinha achado que a coisa não teria como piorar. Mal imaginava como iria ficar muito, muito pior. ― Não dedurei – respondi. Então, como um raio vindo do nada, percebi. – Mas tenho uma boa idéia de quem fez isso – estreitei os olhos para Tory.

― Ah, até parece, Jinx – Tory riu. – Como se eu fosse dedurar meu próprio namorado... ― Seu namorado que já havia pagado o adiantamento pela limusine desta noite – falei. – E que talvez não achasse muito bom se você acabasse vindo ao baile com outro. Agora o olhar acusador de Robert se voltou para Tory. ― Você dedurou o Shawn para poder vir aqui esta noite com esse tal de Dylan? – perguntou ele. Mas Tory não afastou o olhar de mim. ― Você vai desejar nunca ter nascido. ― Tudo bem – Zach pôs o guardanapo na mesa e se levantou. – É isso aí, Jean, vamos embora. Agora. ― Ah, meu Deus – Tory riu. Mas ainda estava olhando para mim, e não para o Zach. – Agora até ele está comendo na sua mão. Não bastou você roubar minha melhor amiga e meus próprios pais. Teve até de roubar o cara que eu amo. Senti que eu estava ficando vermelha como o tapete. Tory não havia falado exatamente na voz mais baixa do mundo. Todo mundo, pelo menos todas as pessoas sentadas ali por perto, estavam olhando agora para a mesa sete. ― Jean não roubou ninguém de você, Tory – Zach se inclinou na direção da cadeira dela, para dizer em voz baixa e firme: - Por que você e eu não damos uma voltinha lá fora, certo? Acho que você precisa de um pouco de ar puro. ― Olhe para ele – Tory se virou para mim lançando um riso de desprezo na direção de Zach. – Tão pronto a fazer qualquer coisa por você. Exatamente como o Dylan, aqui. Você deveria ouvir como ele ficou empolgado quando liguei e disse onde você estava. Ele mal conseguiu se conter. Acho que esses dois nem se incomodam em pensar em por que podem estar tão fascinados por você. O tremor que desceu pela minha coluna naquele momento foi dez vezes mais forte do que o que senti quando Dylan havia falado comigo. Naquele momento simplesmente fiquei enjoada. Agora era como se alguém tivesse acabado de andar em cima da minha sepultura. Porque eu sabia o que Tory ia fazer. Sabia com tanta certeza quanto sabia que era ela quem havia entregado o Shawn.

― Tory – falei numa voz que não parecia nem um pouco a minha, de tanto medo. – Não. Mas era muito tarde. Tarde demais. Porque Tory já estava abrindo a bolsa e enfiando a mão nela. Eu havia achado que era um acessório grande demais para um baile.

Um segundo depois, ela havia jogado um boneco no meio da mesa. Um boneco que eu reconhecia bem demais. E tenho certeza de que todo mundo na mesa sete também reconheceu. Porque era idêntico a Dylan.

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