segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Capítulo 2 (Sorte ou Azar?)
Capítulo 2:
- Mas você só deveria chegar amanhã! – exclamou Petra. A preocupação que
apertava o meu estômago se afrouxou. Só um pouquinho. Eu deveria saber. Deveria
saber que tia Evelyn não teria se esquecido completamente de mim. - Não –
retruquei. – Era hoje. Eu deveria chegar hoje. - Ah, não – disse Petra,
enquanto continuava balançando minha mão para cima e para baixo. Meus dedos
estavam perdendo toda a circulação. Além disso, os lugares que eu havia
arranhado ao segurar a cerca de ferro fundido também não me davam uma sensação
muito boa. – Tenho certeza de que sua tia e seu tio disseram que seria amanhã.
Ah! Eles vão ficar tão chateados! Iam receber você no aeroporto. Alice até fez
uma placa... Você veio até aqui sozinha? De táxi? Que pena! Ah, meu Deus, entre,
entre! Com um jeito caloroso, que não combinava com o corpo delicado – mas que
combinava com o aperto de mão –, Petra insistiu em pegar minhas duas malas,
deixando o violino para mim, e carregando-as para dentro. O peso extremo não
pareceu incomodá-la nem um pouco, e só demorei alguns minutos para descobrir
por quê, pois Petra gostava de falar quase tanto quanto minha melhor amiga,
Stacy, lá da minha cidade: Petra havia se mudado de sua Alemanha natal para os
Estados Unidos porque estava estudando fisioterapia. Na verdade, ela disse que
ia toda manhã para a faculdade de fisioterapia em Westchester, um subúrbio da
cidade de Nova York, onde, quando não está na sala de aula, tem de levantar
gente pesada que sofreu algum acidente ou derrame e ajudá-las a entrar em
banheiras de hidromassagem, depois ensinar a usar os braços e todo o resto do
corpo de novo. O que explicava por que ela era tão forte. Porque levantava
pacientes pesados, e coisas do tipo.
Petra estava morando com os Gardiner e, em troca do quarto e da comida,
cuidava dos meus primos mais novos. Depois, enquanto as crianças estavam na
escola todo dia, ela ia a Westchester aprender mais sobre fisioterapia. Dentro
de mais um ano iria tirar a licença e poderia arrumar um emprego num centro de
reabilitação. - Os Gardiner têm sido tão legais comigo – disse Petra, levando
minhas malas para um quarto de hóspedes do terceiro andar como se não pesassem
mais do que dois CDs. Para ela nem parecia necessário respirar entre as frases.
O que era espantoso, porque o inglês nem era sua primeira língua. O que
significava que ela provavelmente podia falar mais rápido ainda em sua língua
natal. - Eles até me pagam trezentos dólares por semana – continuou Petra. –
Imagine, morar em Manhattan sem pagar aluguel, com toda a comida paga e
alguém que ainda oferece trezentos dólares por semana! Meus amigos lá em
Bonn dizem que é bom demais para ser verdade. O senhor e a senhora Gardiner são
como pais para mim agora. E adoro Teddy e Alice como se fossem meus filhos.
Bem, só tenho 20 anos, e Teddy tem dez, por isso acho que ele não poderia ser
meu filho. Mas talvez meu irmão mais novo. Aqui, olha. Este é o seu quarto. Meu
quarto? Espiei pela porta. A julgar pelo pouco que tinha visto do resto da casa
enquanto subíamos a escada, eu sabia que teria uma vida de luxo durante os
próximos meses... Mas o quarto onde Petra colocou minhas malas tirou meu
fôlego. Era totalmente lindo... paredes brancas com móveis cor de creme e
dourados, e cortinas de seda cor-de-rosa. Havia uma lareira de mármore num dos
lados. - Isso aí não funciona – informou Petra com tristeza, como se eu
estivesse contando com uma lareira em pleno funcionamento no meu quarto novo,
ou algo assim. E ainda tinha um banheiro só para mim. A luz do sol se filtrava
pelas janelas, formando pintinhas no carpete rosa - claro.
Claro, eu soube imediatamente que havia alguma coisa errada. Este era o
melhor quarto que eu já tinha visto. Era cem vezes melhor do que o meu, em
casa. E eu precisava dividi-lo com Courtney e Sarabeth, minhas duas irmãs mais
novas. Esta, na verdade, seria a primeira vez em que eu iria dormir num quarto
só meu. A PRIMEIRA E nunca na vida eu ao menos havia pensado em ter um banheiro
só para mim. Simplesmente não era possível. Mas pelo modo casual como Petra circulava,
espanando poeira imaginária das coisas, era possível. Não somente possível,
mas... era como as coisas eram. - Uau – foi tudo que pude dizer. Era a primeira
palavra que conseguia emitir desde que Petra havia começado a falar, ainda na
porta da frente. - É – disse Petra. Ela achou que eu estava falando do quarto.
Mas na verdade eu me referia a... bem, tudo. – É muito bonito, não é? Eu tenho
meu próprio apartamento aqui, com entrada particular. Lá em baixo, sabe? No
térreo. Você provavelmente não viu. Também há uma porta nos fundos que dá no
jardim. É um apartamentinho privativo. E tenho a minha própria cozinha. Às
vezes as crianças descem para lá a noite, e eu as ajudo com o dever de casa, e
algumas vezes nó assistimos à TV juntos, todos aconchegados. É bem legal. -
Você realmente não está de brincadeira – ofeguei. Mamãe havia me dito que tia
Evelyn e sua família estavam se dando bem. Bom, há pouco tempo o marido dela,
meu tio Ted, havia conseguido uma promoção para presidente da tal empresa onde
ele trabalhava, e Evelyn, que era decoradora, havia acrescentado umas duas
supermodelos à sua lista de clientes. Mesmo assim, nada poderia ter me
preparado para... isso. E era meu. Todo meu.
Bem, pelo menos por enquanto. Até que eu estragasse tudo, de algum modo. E,
sendo eu, sabia que isso não iria demorar. Mas ainda podia curtir enquanto
durasse.
- O senhor e a senhora Gardiner vão lamentar muito porque não estavam em
casa para receber você – comentou Petra enquanto seguia até a lateral da cama
de casal, enorme e começava a afofar meticulosamente a meia dúzia de
travesseiros embaixo da cabeceira estofada. – E vão ficar ainda mais tristes ao
perceber que confundiram o dia. Os dois ainda estão no trabalho. Mas Teddy e
Alice vão chegar logo da escola. Eles estão muito empolgados porque a prima
Jinx vai ficar um tempo aqui. Alice fez um cartaz para lhe dar as boas-vindas.
Ela iria segurar no aeroporto quando recebessem você, mas agora... bem, talvez
você possa pendurar aqui na parede do seu quarto, não é? Você deve fingir que
ficou contente com ele, mesmo que não fique, porque ela trabalhou muito para
fazer. A senhora Gardiner não pôs nada nas suas paredes, veja bem, porque
queria saber do que você gostava. Ela contou que faz cinco anos que não vêem
você. Petra me olhou, espantada. Parecia que as famílias na Alemanha viviam
muito mais próximas e se visitavam com muito mais freqüência do que nos Estados
Unidos... ou pelo menos do que a minha família. Confirmei com a cabeça. - É, é
mais ou menos isso. Tia Evelyn e tio Ted visitaram a gente pela última vez
quando eu tinha 11 anos... – Minha voz ficou no ar. Isso porque eu tinha
acabado de ver que, no banheiro enorme, todas as ferragens eram de latão e
tinham a forma de pescoços de cisnes, com a água saindo do bico esculpido. Até
a barra da toalha tinha asas de cisne nas pontas. Minha boca começou a ficar
meio seca ao ver todo aquele luxo. Quero dizer, o que eu havia feito para
merecer isso? Nada. Especialmente nos últimos tempos. Na verdade, esse era o
motivo pelo qual eu estava em Nova York. - E a Tory? – perguntei, num esforço
para mudar de assunto. Melhor não pensar no que me tirou de Hancock, rumo a
Nova York. Especialmente porque toda vez que eu pensava no assunto aquele nó
incômodo no meu estômago se apertava. - Ah – disse Petra.
Mas esse ―Ah‖ era diferente de todos os outros que Petra havia falado.
Notei logo de cara. Além disso, enquanto antes Petra estivera falando com
entusiasmo sem disfarces, naquele momento ela olhou para baixo e continuou, sem
jeito, dando de ombros. – Ah, Tory já chegou da escola. Está no fundos, no
jardim, com os amigos. Petra apontou para uma das duas janelas diante da cama.
Fui até lá, empurrando cautelosamente a delicada camada superior da cortina
branca e fina como uma teia de aranha, e olhei para baixo... ... para um jardim
encantado de conto de fadas. Pelo menos foi o que pareceu. E, tudo bem, estou
acostumada com o nosso
quintal em Hancock, que é completamente atulhado com as bicicletas e os
brinquedos de plástico dos meus irmãos mais novos, um balanço, uma casa de
cachorros, a horta da minha mãe e enormes pilhas de terra, largadas pelo meu
pai, que vive trabalhando numa expansão da casa, que nunca fica pronta. Mas
aquele quintal parecia algo saído de um seriado de TV. E não era Law and Order,
e sim algo tipo MTV Cribs. Cercado em três lados por um muro de tijolos coberto
de musgo. Rosas cresciam – e floresciam – em toda parte. Havia até trepadeiras
de rosas enroladas nas laterais de um pequeno caramanchão envidraçado, num dos
cantos. Havia uma mesa de ferro fundido rodeada de cadeiras e uma
espreguiçadeira almofadada sob os galhos amplos de um salgueiro chorão com
brotos novos. Mas o melhor de tudo era uma fonte baixa, que, mesmo com as
janelas fechadas no terceiro andar, eu podia ouvir borbulhando. Uma sereia de
pedra estava sentada no centro do poço de um metro e meio de largura, com água
jorrando da boca de um peixe que ela segurava no colo. Não dava para ter
certeza, estando tão alto, mas achei que vi alguns clarões alaranjados dentro
do poço. Peixes dourados!
- São koi – corrigiu Petra, quando falei alto sobre o que estava pensando.
Não pude deixar de ver que a voz dela estava retornando ao normal, agora que
não falávamos de Tory. – Carpas japonesas. E está vendo Mouche, a gatinha dos
Gardiner? Ela fica ali sentada o dia todo, olhando para elas. Ainda não pegou
nenhuma, mas um dia vai conseguir. Vi o clarão súbito de um fósforo sendo aceso
sob o teto de vidro do caramanchão. Não dava para ver direito lá dentro, porque
o vidro era fosco. Tory e seus amigos deviam estar lá dentro, mas não dava para
distingui-los, só os movimentos sombreados e a chama. Parecia que Tory e os amigos
estavam fumando. Mas tudo bem. Conheço um monte de pessoas da nossa idade em
Iowa que fumam. Tá, tudo bem. Uma única pessoa. Mesmo assim, todo mundo havia
me dito que as coisas eram diferentes em Nova York. Não só as coisas, mas as
pessoas também. Especialmente as da minha idade. Tipo, as pessoas de 16 anos em
Nova York devem ser muito mais sofisticadas e maduras para a idade do que as da
minha cidade. Sem problemas. Posso lidar com isso. Se bem que meu estômago, a
julgar pelo modo como havia subitamente se transformado num nó, parecia
discordar. - Acho que eu deveria descer e dizer olá a Tory - disse eu... porque
sentia que precisava fazer isso. - É. Acho que sim. - Petra parecia a fim de
dizer alguma coisa, mas, pela primeira vez desde que a encontrei, ficou muda.
Fantástico. Então o que havia entre ela e Tory? E com minha sorte, no que eu
iria me meter? - Bem - falei com mais coragem do que sentia, deixando a cortina
voltar ao
lugar. - Pode me mostrar o caminho? - Claro. Parecia que Petra não era o tipo
de garota que ficava quieta por muito. Enquanto descíamos até o segundo andar,
perguntou sobre o violino. - Você toca há muito tempo? - Desde que tinha 6
anos. - Seis! Então deve ser muito boa! Teremos um concerto uma noite dessas,
não é? As crianças vão adorar .
Meio que duvidei, a não ser que meus primos fossem realmente diferentes das
crianças lá de casa. Ninguém que eu conheço em Hancock gosta de me ouvir tocar.
A não ser, talvez, quando toco ―The Devil Went Down to Geórgia‖. Mas mesmo
assim eles perdem um pouco o interesse, a não ser que eu cante a letra. E é
difícil cantar e tocar ao mesmo tempo. Até Patti Scialfa, a mulher do Bruce
Springsteen, que sabe cantar e tocar violino, nunca faz as duas coisas ao mesmo
tempo. Então Petra perguntou se eu estava com fome, e falou do curso de
culinária que a Sra. Gardiner pagou para ela freqüentar, para aprender a fazer
comida para as crianças. - Eu deveria fazer filé-mignon para sua chegada
amanhã, mas agora você está aqui, e acho que no jantar esta noite teremos
comida chinesa do Szechuan Palace! Espero que você não se incomode. O senhor e
a senhora Gardiner precisam ir a uma festa beneficiente. Os Gardiner são
pessoas muito boas e generosas, e sempre vão a esses eventos para levantar
dinheiro para causas importantes... há muito disso em Nova York. E a comida
chinesa daqui é muito boa, é autêntica. A senhora Gardiner até comenta isso, e
ela e o senhor Gardiner foram à China no aniversário de casamento do ano
passado. Ah, esta é a porta do jardim. Acho que verei você mais tarde, então. -
Obrigada, Petra – dei-lhe um sorriso agradecido. Saí pela porta de vidro do
pátio que dava para o jardim e desci a escada até o jardim propriamente dito
(segurando cuidadosamente o corrimão de ferro fundido para evitar um segundo
quase desastre com uma escada). Ali, o som da fonte era muito mais alto, e pude
sentir o cheiro forte de rosas no ar. Era estranho estar no meio da cidade Nova
York e sentir cheiro de rosas. Se bem que, misturado ao cheiro de rosas, havia
o de tabaco queimado.
- Olá? – gritei enquanto me aproximava do caramanchão, para que soubessem
que eu estava por perto. Ninguém respondeu de imediato, mas tive quase certeza
de que ouvi alguém dizendo aquela palavra que começa com M. Achei que Tory e as
amigas estariam correndo para apagar os cigarros. Corri para entrar no
caramanchão, para poder dizer: ―Ei, não se preocupem. Sou só eu.‖ Mas, claro,
me peguei falando para seis completos estranhos. Minha prima
Tory não estava em lugar nenhum. O que, sabe como é... é só a minha sorte.
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Eu amoooooooooooooooo esse livro!! já éh a quarta ve q to lendo =)
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