terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Capítulo 21 (Sorte ou Azar)


Capítulo 21

― Zach! – gritou Tory, levantando-se. – Ah, meu Deus! O que você está fazendo aqui? Sua visita é um prazer! Mas Zach não parecia no clima para amenidades sociais. Talvez fosse o tampo de vidro da mesa que havia rolado sobre a bainha da saia de Tory, que ela estava tentando soltar, desesperada, embora simulasse casualidade. Ou talvez fosse a faca, ainda nas mãos dela, ou a poção de cogumelos derramada no vestido. Talvez fosse a expressão culpada de Gretchen e Lindsey. Ou talvez fosse o fato de que eu estava amarrada, amordaçada e esparramada de modo vergonhoso no piso do caramanchão. De qualquer modo, ele não respondeu à pergunta de Tory. Em vez disse se ajoelhou ao meu lado e tirou as luvas da minha boca. ― Você está bem? – perguntou. Confirmei com a cabeça. Não creio que eu teria falado, mesmo se quisesse. Não porque minha prima tinha tentado me matar. Mas porque Zach havia corrido para me resgatar sem se lembrar de vestir uma camisa. Talvez Tory tivesse me matado, e eu havia morrido e ido para o céu. Só que, se isso era o céu, por que Lindsey estava chorando? ― Ah, Zach, por favor não conte ao senhor e à senhora Gardiner sobre isso – implorou ela. – A senhora Gardiner é do mesmo grupo de voluntários da Sloan-Kettering da minha mãe. Ela vai me MATAR se descobrir que eu estava brincando de ser bruxa. Foi então que Tory berrou: ― LINDSEY! CALA A BOCA! – E em seguida começou a falar ininterruptamente: – Nós tentamos fazer com que ela parasse. Sério, por Deus, Zach. Mas Jean ficou tão perturbada, você sabe, com o que aconteceu, por que eu a denunciei como bruxa no baile, que tentou se matar. Foi assim que nós a encontramos. Já íamos ligar para emergência... ― Ela se amordaçou? – perguntou Zach, áspero. – E amarrou as mãos? Bela tentativa, Tory. Mas ouvi o que você estava falando com ela, sua doente... Então Zach disse uns palavrões bem feios. Do tipo que minha mãe teria cobrado uma grana, se ele falasse em Hancock.

― Meu Deus – Tory pareceu furiosa. – Ótimo. Não acredite em nós. O único motivo para você estar do lado dela é porque ela fez um feitiço de amor para você. Como é a sensação de saber que você não passa de uma vítima da MAGIA manipuladora dela? Tentei dizer: ―Não. Não escute o que ela está falando. Eu usei magia. Chamei você aqui com magia, Zach. Mas para me ajudar. Não para me amar. Nunca para me amar. O boneco era dela! Aquele boneco era dela!‖ Mas nada saiu de mim a não ser um grasnado. Eu não conseguia falar porque

minha garganta estava seca como areia. ― A única vítima que estou vendo aqui é a Jean – Zach disse, sério. – O que há de errado com você, Tory? Você poderia realmente fazer mal a ela. ― Ah, claro. – Tory começou a fungar. – Fique do lado dela. Isso é muito legal. Eu conheço você desde o jardim-de-infância, mas fique do lado da pessoa que você só conheceu há um mês. Mas Zach não estava escutando. ― Me dá essa faca – ordenou a Tory. Ela entregou a faca em silêncio enquanto Gretchen falava, parecendo morta de medo: ― Eu nunca pensei que a coisa chegaria tão longe, Zach. Nunca pensei que Tory queria mesmo fazer mal a ela. Quando ela falou sobre isso, disse que só iria cutucá-la um pouco. E também que Jean não iria se incomodar, que estava enjoada da má sorte, ou sei lá o quê, e queria se livrar dessa coisa e dar a ela. ― Nunca! – Falei. – Nunca vou abrir mão do meu poder! Eu o abracei! Não tenho mais medo dele! Mas tudo que saiu foram mais grasnados. ― Só que não era azar – então foi Gretchen quem começou a falar sem parar –, era magia, e ela, Jean, simplesmente não sabia como usar direito. E se Tory bebesse o sangue dela, o sangue de Jean, aquele negócio dela com o boneco iria dar certo, e você amaria Tory como ela queria... ― GRETCHEN! – berrou minha prima. – CALA A BOCA!

Zach usou a faca de Tory para cortar a corda que amarrava minhas mãos. Só quando me puxou para que eu ficasse de pé ele notou – nós dois notamos – que eu não conseguia andar direito. Não por causa de alguma coisa que Tory tivesse feito, mas pela dor no joelho, que eu havia acertado com tanta força no tampo de vidro, para derrubá-lo. ― Venha – Zach passou o braço pela minha cintura. – Apóie-se em mim. E me ajudou a sair mancando do caramanchão para o ar puro da noite no jardim, onde Mouche nos recebeu com um minúsculo miau interrogativo. ― Não podemos deixar Mouche do lado de fora – tentei dizer. – Alice vai pirar se ela não estiver na cama na hora de acordar. Mas minha voz ainda estava enferrujada demais por causa da mordaça, e tudo que saiu foi: ― Mouche. ― Eu sei – disse Zach. – Vou pegá-la depois de colocar você lá dentro. Não se preocupe. E então ele estava batendo numa porta, e alguns segundos depois escutei a voz de Petra perguntar, sonolenta: ― Sim? Quem e... ah, Zach? O que você está... Em seguida, numa voz muito menos sonolenta: ― Jean! Então o luar desapareceu e estávamos no aconchegante apartamento de Petra, no porão, cuja porta dava para o jardim. Zach me colocou no sofá de

Petra, e tive tempo de notar que Willem não estava dormindo ali, afinal de contas. Estava parado na porta do quarto de Petra, usando apenas um short e uma expressão realmente confusa. Incrivelmente confusa. Se bem que não tão bonito quanto o Zach, que vestia apenas os jeans que havia posto com tanta pressa que nem estavam abotoados direito. E as mãos de Zach estavam cheias de cortes. O que havia acontecido com as mãos dele? Ah. As rosas. ― Ah, meu Deus – espantou-se Petra. – O que aconteceu? As rosas. Ele cortou as mãos nas roseiras, pulando o muro. Mas, por acaso, Petra não estava falando de Zach. ― Ela está bem. Só precisa de um pouco d’água – disse Zach. Em seguida mais duas palavras, pronunciadas com tanta frieza que gelaram meu coração. – Foi Tory. ― Os pulsos dela...

― Tory a amarrou – respondeu Zach. ― Ah, meu Deus. Vou acordar os Gardiner – disse Petra. ― NÃO! – gritou uma voz aguda. E foi então que percebi que Tory havia nos acompanhado desde o caramanchão. ― Petra, não! – gritou Tory. Sua expressão (Willem havia acendido a luz) era arregalada, quase de histeria. Estava ali parada com seu vestido branco manchado de poção, parecendo Cinderela no baile depois de perceber que o relógio havia marcado meia-noite. – Não conte à mamãe e nem ao papai! Jinx me disse que queria se livrar de seus poderes. Disse que não podia lidar com eles... estava cansada de viver com tanto azar. Eu estava tentando ajudá-la. Sério. ― Poderes? – perguntou Willem. – Que poderes são esses? ― Tory – Petra se ajoelhou ao meu lado e me dava um copo cheio d’água, que peguei e tomei inteiro, imediatamente. – Agora, não. ― Espera – Tory começou a chorar. Fiquei olhando enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto bonito. – Era uma brincadeira. Só isso. Jinx estava participando. Ela gostou. ― Ah, é mesmo? – A voz de Zach saiu dura. – E o rato morto? Ela gostou daquilo? E todo mundo na escola pensando que ela era dedo-duro, quando foi você – e não negue – que entregou Shawn... seu próprio namorado? E a armação que você fez esta noite no baile, trazendo aquele cara de Iowa? Eu pude ver como Jean estava gostando. – A voz de Zach estava repleta de sarcasmo. – E quem não gosta de ser amordaçada e amarrada? ― Eu disse! – berrou Tory, agora realmente histérica. – Era só uma brincadeira! Jinx, diz a eles! Diz que era só um jogo! Olhei para Tory, ali na sala quente e arrumada de Petra, parecendo tão incrivelmente linda. Ela sempre havia sido a mais bonita de nós duas. Mas nunca me ressenti por causa disso. Aceitava, como a gente aceita ter uma irmã mais alta, ou um irmão melhor no basquete.

Mas ela nunca pudera me aceitar, aceitar o que eu tinha e ela não. Que ela nunca, jamais, teria. A verdade era: por que ela deveria aceitar, quando durante tanto tempo eu mesma não havia sido capaz de aceitar o meu dom?

Mas agora, não. Agora tudo era diferente. Tudo. Acima de tudo, eu. ― Diga a eles – implorou Tory por entre as lágrimas. – Diga que era só uma brincadeira, Jinx. ― Não – respondi. E desta vez, quando falei, soube que todos podiam me entender. – Não, na verdade não era uma brincadeira. Foi então que Petra, pálida, mas decidida, virou-se e rumou para a escada. Tory correu atrás dela, gritando: ― Não, Petra! Eu posso explicar! Espera! E Willem, confuso, mas determinado, foi atrás de Tory, aparentemente para garantir que ela não fizesse nada com Petra. E então fiquei sozinha com o Zach. Tinha certeza de que a demonstração de cavalheirismo dedicado de Willem devia ser difícil para ele, por isso virei para Zach e falei: ― Sinto muito. Ele me olhou, claramente surpreso. ― Sente? Pelo quê? Nada disso foi sua culpa. ― Não estou falando disso. Estou falando de Petra. E Willem. Eu ia lhe contar. Mas não tive chance; Você sabe. – Quando ele continuou me olhando inexpressivo, elaborei: – Zach, sinto muito. Mas acho que eles não vão romper nem tão cedo. Ela o ama de verdade. E ele ama Petra de verdade. A expressão de Zach, me olhando, passou de surpresa para outra que reconheci. Era a mesma daquele dia no campo de beisebol, uma mistura de frustração e diversão. ― Jean, eu não sou a fim de Petra. ― Como assim você não é a fim dela? – Perguntei, espantada. – Você ama Petra. ― Não. Não, não amo. Nunca amei. ― Amou sim. – Sentei-me um pouco mais empertigada, depois me encolhi, quando o movimento fez meu joelho doer. Mesmo assim, aquilo era importante demais para deixar passar. – Você me disse que amava. ― Não – repetiu Zach. – Você disse que eu a amava. Porque aquele idiota do Robert falou. Eu só disse que houve um tempo em que achei Petra interessante. Foi você que continuou falando disso. Mas a verdade é que tem alguém que eu acho muito mais interessante já há algum tempo. ― Tem? – Encarei-o, confusa... e consternada. – Você nunca me disse.

― Não, não disse. Achei que era mais fácil deixar você continuar pensando que eu amava Petra. Porque dava para ver que você ainda estava pirada com o que havia acontecido lá em Iowa, com o tal cara. Achei eu você não estava pronta...

― Pronta? – balancei a cabeça. O que ele estava falando? – Pronta para quê? ― Para que eu dissesse a verdade. – Zach estava me olhando tão intensamente que seus olhos verdes pareciam tão luminosos quanto a luz lá fora. – Que eu tinha parado de gostar de Petra no minuto em que vi você. – Quando continuei a olhá-lo sem entender, ele continuou: – Naquela mesma porcaria de caramanchão, no dia em que você chegou. Não diga que não lembra. ― Eu? – Ainda achava que não havia entendido direito. – Eu? ― Você, claro – ele afirmou, incrédulo. – Jean, como pode não ter percebido? Tory percebeu. Por que você acha que ela ficou com tanta raiva? Esse tempo todo você ficava dizendo a ela, a mim, a todo mundo, que nós dois éramos só amigos, quando ser só amigos era a última coisa que eu queria. E Tory sabia. Ela via o que todo mundo podia ver, só de me olhar. Todo mundo menos você, pelo jeito. Que eu estava de quatro por sua causa... – A voz de Zach ficou no ar enquanto ele me olhava. – Ainda não acredita, não é? Como eu poderia acreditar? Como isso poderia estar acontecendo – logo comigo? ― Era disso que eu tinha medo – ele suspirou. – Acho que você não me dá outra opção. ― Não dou outra opção a não ser... o quê? – berrei, alarmada. ― Isso. E a próxima coisa que notei foi os lábios dele nos meus. Acho que, para nosso primeiro beijo, foi bem atordoante. Bom, certo, talvez alguém como Tory, que está anos-luz à minha frente em sofisticação, pudesse ser beijada daquele modo e não perder a cabeça.

Eu, por outro lado, não podia. Não que ele tenha me agarrado e grudado meu corpo ao dele, como Dylan, na primeira vez em que me beijou. O beijo de Zach foi o mais gentil que se pode imaginar. Ele mal estava me tocando, a não ser onde seus dedos encostavam no meu ombro. Mas mesmo suave, foi longo. O que se poderia chamar de prolongado. E eu senti até os dedos dos pés. Ah, senti. Quando ele levantou a cabeça e me olhou de novo, mal notei. Porque havia passarinhos e estrelas voando diante dos meus olhos, de tão atordoada que eu estava pela sensação dos lábios de Zach nos meus. Graças a Deus eu estava sentada. Se estivesse de pé quando ele me beijou, tenho certeza de que teria despencado no chão. Era como se eu estivesse derretendo. Por dentro. ― Agora – perguntou ele em sua voz profunda e calma – acredita? Mas era difícil formular uma resposta, porque meus lábios estavam pinicando demais. ― Tudo bem – disse Zach quando eu não respondi imediatamente. – Deixe-me tentar de novo. E se inclinou para me beijar mais um pouco. Dessa vez, quando ele levantou a cabeça, pássaros, estrelas e até pequenos

arco-íris pareciam flutuar na minha frente. Era como se alguém tivesse derramado uma caixa de amuletos da sorte em gravidade zero. ― E então? – insistiu Zach. – Agora acredita que é você que eu amo, que eu sempre amei, desde aquele dia em que você cuspiu chá gelado Long Island em cima de mim? Acredita que estou cansado de tentar não beijar você? Acredita que realmente, de verdade, não quero mais ser só seu amigo? ― Ahã – assenti como uma idiota. Então passei os braços pelo pescoço dele e puxei-o para mim. E o beijei mais um pouco.

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