terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Capítulo 7 (Sorte ou Azar)
Capítulo 07:
— Sai da minha frente. Desviei-me para a esquerda da pista e ouvi outra
pessoa rosnar atrás: — Ei, dá o fora. Saí rapidamente e os corredores passaram
por mim. Todos estavam passando por mim. Sei que não sou a pessoa mais atlética
do mundo, nem nada, mas aquilo era ridículo. Na verdade a coisa toda era
ridícula. O sistema escolar lá em Iowa exige só um ano de educação física no
ensino médio, e eu tinha feito o meu no primeiro ano. Na escola Chapman, por
acaso, só o último ano está livre da educação física. O que é ótimo, como a
obesidade está tomando conta dos Estados Unidos, é importante ficar em forma, e
coisa e tal. Mas foi assim que eu me vi, no primeiro dia na nova escola,
molengando no caminho de terra ao redor do reservatório do Central Park – porque
a escola Chapman não tem ginásio esportivo, de modo que fazem as aulas de
educação física no parque mais famoso do mundo, com camiseta branca e um short
azulão que, na minha opinião, era vergonhosamente curto. Como se não fosse
suficientemente ruim eu ser a pior corredora do mundo, ainda preciso parecer
idiota fazendo isso. É típico da minha sorte. — Anda – ofegou alguém atrás de
mim. E acelerei. Desta vez foi uma garota loura com asas nos pés que passou
correndo. Olhei seu rabo-de-cavalo balançando e desaparecendo numa curva suave
da trilha e me perguntei o que existia em mim que já havia me tornado uma pária
social na escola Chapman. A princípio achei que não poderiam ser as roupas que
me tornavam tão pária, afinal todo mundo na Chapman tem de usar uniforme.
Então eu percebi que deviam ser as jóias – ou a falta delas. A maioria das
garotas das turmas em que estou – inclusive a loira que havia acabado de passar
por mim – tinha brincos de diamante, alguns do tamanho das minhas unhas do
mindinho. Duvido tremendamente que fossem zircônios. E os relógios... eu tinha
ficado pasma ao saber que o de Tory era um Gucci. Chanelle tinha um Rolex.
Ninguém na Chapman parece ter ouvido falar em Swatch ou Timex.
E parece que os mocassins da Nine West não são considerados adequados para
uma aluna da Chapman. Mesmo que a única diferença que eu possa detectar entre
meus sapatos e os Ferragamos de Tory seja uns quatrocentos dólares, há algo
errado com os meus, enquanto os dela são bem-vindos. Parece que o fato de meus
sapatos serem do lugar errado e eu não usar jóias caras, junto com o hematoma
gigante na testa – sempre um acessório atraente – e minha completa incapacidade
de entrar ou sair de uma sala de aula sem tropeçar ou trombar em alguém ou em
alguma coisa deviam ser os principais motivos para meu status de fracassada. No
fim das contas, mesmo tão longe de casa, eu não conseguia escapar do apelido,
pois foi assim que Tory me chamou, com desprezo, quando larguei uma lata de
refrigerante – que explodiu imediatamente – durante o almoço no refeitório no
meu primeiro dia, e todo mundo, desde então, seguiu seu exemplo, me chamando de
Jinx. Jinx. Sempre vou ser Jinx. Você não é uma nota de cem dólares, é o que
vovó gostava de dizer a nós, as crianças, durante suas freqüentes visitas vinda
de sua comunidade de aposentados na Flórida. Nem todo mundo vai gostar de
vocês. Imagine se esse não era o maior eufemismo do ano. Como se já não fosse
suficientemente difícil ser filha de uma pregadora protestante. Quero dizer: as
pessoas esperam que você seja uma princesa ou uma vagaba total, como o
personagem de Lori Singer em Footloose: Ritmo Louco. E era como se as pessoas
simplesmente... soubessem sobre essa coisa de ser filha de uma pastora. Talvez
realmente fosse minha aparência de frescor campestre. Talvez fosse o violino –
eu havia entrado para a orquestra da escola, a única aula em que eu parecia
remotamente me ajustar... se bem que houve um abalo quando consegui de cara o
posto de segundo violino. Como se fosse minha culpa eu ser uma nerd que gosta
de ensaiar.
Ou talvez fosse minha falta de familiaridade com Kanye West, The Hills e
outras músicas e seriados que não temos permissão de ouvir ou assistir na minha
casa, por causa dos meus irmãos mais novos. O que quer que fosse – todas as
opções acima ou algo que eu ainda nem havia pensado – era como se alguém
tivesse carimbado PERDEDORA na minha testa, e a maioria da população estudantil
reagiu de acordo. Mas pelo menos aqui na vastidão do Central Park não havia
muita gente para me ver fazendo besteira, tropeçando numa raiz de árvore
enquanto corria ou sei lá o quê. Claro, era minha sorte ter começado na escola
no primeiro dia
do Desafio Físico Presidencial, parte do qual implicava uma corrida com
tempo marcado. Eu realmente achei que o professor de educação física estava
brincando quando apontou para o reservatório – que na minha opinião parece um
lago – e nos informou que iríamos dar duas voltas ao redor dele. O cara estava
brincando? Parecia que não, porque o resto da turma – com tantas pessoas, e
todas vestidas do mesmo jeito, e eu tão tímida, não querendo encarar ninguém,
nem pudera da ruma boa olhada em nenhum deles para avaliar a concorrência, por
assim dizer – partiu à toda pela trilha de terra. Tive de me apressar para
acompanhá-los. Mesmo assim não foi completamente desagradável. Era estranho
estar no meio daquela selva – com árvores tão grossas a toda volta – e ainda
assim conseguir ver os arranha-céus acima dos galhos mais altos. E havia outras
pessoas na trilha, além da minha turma. Havia turistas curtindo um passeio no
parque com suas pochetes e máquinas fotográficas e grupos de crianças pequenas,
indo com seus professores visitar o Museu de História Natural. E até mesmo
cavaleiros vestindo culotes e capacetes pretos, trotando ao lado do pessoal que
corria. Na verdade era, de certa forma, legal. Bem, a não ser pela parte de
correr. E, então, a voz de um cara disse atrás de mim: — Ei.
Pensando que era mais alguém querendo que eu saísse da frente – mesmo eu
estando no canto da pista, quase saindo dela – olhei para trás, chateada. E
tropecei numa raiz. — Uau. – O corredor diminuiu a velocidade e se curvou. –
Você está legal, prima Jean de Iowa? Eu não havia caído. Pelo menos. Tinha
tropeçado, mas não caído de cara, nem me machucado, pela primeira vez. Estiquei
as costas e disse, esperando que ele não pudesse ver como meu coração estava
disparado (e não era só por causa do exercício) ao mesmo tempo que tentava não
dar um sorriso lardo demais: — Oi, Zach. Ele riu para mim. Como eu, Zach vestia
camiseta branca. Mas, ao contrário de mim, seu short azulão não parecia curto
demais. Parecia perfeito. Mais do que perfeito. Parecia fantástico — Não sabia
que você estava nesta turma – franzi a sobrancelha. – Por que você está nesta
turma? Achei que era mais adiantado. Zach deu de ombros. — A Chapman exige três
anos de educação física. Portanto, aqui estou. — Ah – respondi com
inteligência. Alguns corredores vieram fazendo a curva a toda velocidade. Zach
me segurou pelo braço e me puxou para fora do caminho, entrando no meio do mato
baixo.
— Nossa – ele olhou os corredores, claramente chateado. – O que eles acham
que isso é, os Jogos Olímpicos? — Bem... – Eu não conseguia pensar em mais nada
para dizer. – Acho melhor a gente se juntar a eles, senão o presidente vai
ficar desapontado com nossa falta de forma física. Zach olhou o relógio. Não
pude ver se era um Rolex, como o de todo mundo na Chapman. Mas parecia bem
impressionante. — Vou lhe dizer uma coisa. Não acredito que o presidente esteja
preocupado com minha forma física. Vamos sair daqui. Olhei de volta para a
pista. — Mas se a gente não terminar a corrida... — Ah, vamos terminar – Zach
ainda ria. – Vamos chegar bufando junto com os melhores. Só que conheço um
atalho... Olhei para a trilha de terra, depois de novo para Zach. Nunca na vida
matei aula. Quero dizer, minha mãe é pastora.
Mas então meio que caí na real: mamãe não estava exatamente por perto.
Felizmente o nó no meu estômago – que estivera crescendo e encolhendo o dia
inteiro, dependendo das circunstâncias – aparentemente havia adormecido nessa
hora... mas eu não fazia idéia se era por causa da presença de Zach, ou apesar
dela. Por isso, acabei concordando: — Bem, está certo. Se você promete que a
gente não vai se encrencar. Não quero confusão no meu primeiro dia. Ele
levantou três dedos. — Palavra de escoteiro. Sorri. — Duvido que você tenha
sido escoteiro. Aposto que nem existem escoteiros em Nova York. — Bem,
provavelmente existem, mas você está certa. Nunca fui. Em vez de nos levar para
as profundezas selvagens do parque, como eu havia temido, o atalho de Zach nos
conduziu para uma calçada pavimentada que não estava exatamente apinhada, mas
que tinha sorveteiros e turistas suficiente para me deixar à vontade. O melhor
foi que Zach foi direto até um sorveteiro e se virou para me perguntar: — Qual
vai ser? Parei para olhar as fotos na lateral do carrinho. Não reconheci quase
nada. Até o sorvete em Nova York é diferente. — Ih – falei olhando um enorme
picolé vermelho, branco e azul. – O que é isso? — Dois Jetstar Jumbo – Zach
informou ao sorveteiro. Para mim, falou: – Também conhecidos como Foguetes. Não
acredito que você nunca tomou um. O que vocês tomam lá em Iowa? Sorvete de
batata? Ofendida em nome do meu estado, respondi indignada. — Isso acontece em
Idaho. E existe um monte de sorvetes bons em Iowa. Como as casquinhas com calda
de cereja. Zach deu de ombros.
— Aposto que vocês não têm gelato. — Claro que temos. — E eu sei o que é
uma casquinha com calda de cereja. Também sei que é nojento, e certamente não é
algo que eu iria me gabar por ter ingerido. – O vendedor entregou os dois
picolés a Zach que lhe passou uma nota de cinco dólares que tirou da meia de
ginástica. E foi então que percebi que eu estava sem dinheiro.
— É por minha conta – disse Zach, quando falei isso. Depois me entregou um
Jetstar Jumbo com um floreio elegante. – É o mínimo que posso fazer,
considerando que você salvou minha vida. Se estivéssemos na Antigüidade, acho
que eu lhe deveria servidão eterna, ou algo assim. Senti que estava ficando tão
vermelha quanto o topo superior do picolé na minha mão. — Não salvei sua vida.
— É? – Zach achou divertido. – Como quiser, então. O que achou do Foguete? O
gosto era igual ao de qualquer outro picolé que eu já havia tomado, mas, para ser
educada, falei: — Muito bom. — Eu te disse. Na verdade, o picolé estava me
refrescando um pouco. Fazia calor, para abril, e agora que havíamos saído da
sombra das árvores, o sol batia forte. O tempo quente havia trazido os
patinadores para a rua, além de sorveteiros e babás empurrando carrinhos de
neném. Vi até algumas pessoas tomando banho de sol. — Então – comentou Zach
enquanto passeávamos. – Seu hematoma está melhor. Pus a mão na testa, sem
jeito. Zach só estava sendo gentil, claro. O hematoma, no mínimo, parecia pior
do que nunca. Zach o tinha visto na véspera, quando ele e os pais foram à casa
dos Gardiner para ver como eu estava. Para meu vexame completo e absoluto, eles
haviam trazido duas dúzias de rosas que me presentearam com agradecimentos pelo
que achavam que eu tinha feito por Zach. Tentei ser graciosa, como mamãe
desejaria. Mas era difícil. Quero dizer, todo mundo – não somente Tory – achava
que eu tinha feito um negócio gigantesco, nobre, me jogando no caminho daquele
ciclista descontrolado. Quando na verdade eu apenas havia sido a azarada de
sempre. Durante todo o tempo em que Zach e seus pais estiveram lá, eu só queria
que um buraco se abrisse no piso de parque dos Gardiner e me engolisse viva. Os
pais de Zach eram super chiques, o pai era advogado do show business, a mãe,
advogada tributária, e sem dúvida eram pessoas muito legais.
Mas eu teria preferido mil vezes que eles tivessem ficado em casa. Nem de
longe sou a pessoa mais sociável do mundo, e fiquei tremendamente
desconfortável sendo o foco de tanta atenção.
Era péssimo, na verdade, que tenha sido eu, e não Tory, a estar lá quando o
ciclista quase acertou Zach. Se Tory, e não eu, tivesse salvado Zach, ela
adoraria a agitação, as rosas, a preocupação. Em vez disso, ela fora obrigada a
curtir tudo aquilo em segunda mão, encostada na parede com um joelho envolto na
meio-arrastão, meio dobrado, e um minúsculo sorriso felino nos lábios, olhando
enquanto eu respondia desconfortavelmente às tentativas educadas de conversa da
parte dos pais de Zach. Zach, por sua vez, ficou no sofá branco da sala íntima
dos Gardiner com uma Coca aninhada nas mãos, contribuindo pouco, mas sorrindo
um bocado. Mais tarde Tory observou que Zach estivera olhando o tempo todo para
o joelho dela. Porque, sabe como é, ele é tão doido por ela, ou sei lá o quê.
Tive uma impressão um tanto diferente – que Zach estivera olhando para mim.
Porque toda vez que eu levantava os olhos o olhar dele parecia encontrar o meu.
Mas não falei isso com Tory. E era bem provável que eu estivesse errada, e ele
estivesse mesmo olhando o joelho de Tory. Mesmo assim, todo mundo teve
oportunidades suficientes de olhar meu hematoma, analisar o tamanho e a cor, e
avaliar quanto tempo demoraria para sumir. Quase considerei a idéia de refazer
as malas e voltar para Iowa (não que eu fosse realmente fazer isso, é claro).
Mas isso me fez sentir saudade da minha família, que aceita numa boa meus
esbarrões absurdos com o destino (e coisas como mensageiros de bicicleta). Nem
mesmo ler e responder os vários e-mails da minha melhor amiga, Stacy, no laptop
que tio Ted me emprestou mais tarde naquela noite, ajudou.
Mas, então, me lembrei de que ganhar de presente duas dúzias de rosas dos
pais de um garoto por quem (posso muito bem admitir) eu estava meio caidinha –
e que eu sabia que nunca gostaria de mim porque estava caidinho por uma bela au
pair alemã – era infinitamente melhor do que em geral acontecia na minha
cidade. Agora olhei para meu Jetstar Jumbo (desejando mais do que nunca que, há
tantos meses, eu tivesse feito uma escolha bem diferente) e disse: — Obrigada.
— O que ainda não deduzi – Zach continuou, enquanto passávamos por um laguinho
onde pessoas (até alguns homens adultos) brincavam com pequenas miniaturas de
barcos – é por que todo mundo na sua família chama você de Jinx. Suspirei. —
Acho que é perfeitamente óbvio, depois do que aconteceu. Eu sou um imã de azar.
Na verdade, desde que nasci, onde quer que eu esteja... bem, as coisas parecem
sempre dar errado. – Contei sobre a tempestade que se formou no momento exato
em que nasci, e as pessoas que tiveram de ser levadas de helicóptero para o
hospital do outro condado porque toda a energia elétrica pifou. — O médico que
fez o parto brincou dizendo que deveriam me chamar de Jinx, e não de Jean – prossegui.
– E todo mundo achou muito engraçado, por
isso o apelido pegou. Infelizmente. Zach deu de ombros. — Bom, não é tão
ruim. Meu pai tem uma cliente que nasceu com um monte de cuspe na boca, por
isso todo mundo a chama de Bolhão. Poderia ser pior. — Acho que sim. Mas duvido
que Bolhão tenha passado o resto da vida com saliva borbulhando na boca, ao
passo que meu azar ainda não acabou, e já se passaram 16 anos. O que me lembrou
de uma coisa que eu queria perguntar a Zach, se eu esbarrasse com ele de novo.
— A minha prima Tory – comecei hesitando. Porque, claro, mesmo sabendo o que
Tory sentia por ele, não sabia como Zach se sentia com relação a Tory.
Lembrei-me de como ele tinha ficado surpreso quando Robert falou de sua queda
por Petra... e da queda de Tory por ele. — Siiiiim? – Ele esticou a palavra a
ponto de ficar com várias sílabas.
— Ela usa... é... drogas... sempre? Quero dizer, tipo: é um problema? Ou só
uma curtição? Não que eu vá dizer alguma coisa aos pais dela – acrescentei
depressa. A outra coisa ruim de ser filha de pastora é que todo mundo presume
automaticamente que você é dedo-duro. – Mas se for sério... — É difícil ser
filha de pastora – Zach jogou uma moeda, que ele havia encontrado, no laguinho
perto do qual estávamos. – Não é? Uau. Fiquei vermelha. Era como se ele
estivesse lendo meu pensamento. — É. Algumas vezes é – senti meu coração
acelerar de novo. Fica fria, Jean. Ele está apaixonado por Petra, com quem você
nunca poderia competir. Mesmo se quisesse. Mas não quer, porque ela é sua amiga.
— Foi o que pensei. Não conte a ninguém, vai destruir a minha reputação, mas
Seventh Heaven era meu seriado predileto quando eu era criança. – Ele piscou.
Ri. Eu gostava de como parecia que, quando eu estava com ele, o nó no estômago
aparentava sumir. — Na verdade não é assim – falei. – Pelo menos não é tão mau.
Eu só... estou preocupada com ela. — A maior parte do que sua prima Tory diz e
faz, ela diz e faz para ganhar atenção. Sua tia e seu tio são pessoas ocupadas,
e Tory gosta de um drama, caso você não tenha notado. Acho que ela acha que tem
de ir aos extremos para ser notada. Tipo esse lance de ser bruxa. A dor no meu
estômago voltou, mais forte ainda. Uau. E eu que tinha pensado que ela sumia
quando Zach estava perto. — Ah – meu coração ficou descontrolado, em vez de
acelerar. E não de um modo bom. – Você sabia disso? — Fala sério! Acho que Tory
se certificou de que a escola toda soubesse. Ela e aquele coven. Uma vez elas
chegaram a levar um caldeirão para a escola, para fazer uns feitiçozinhos no
refeitório. Só que dispararam o alarme de incêndio. O diretor Baldwin ficou
puto. Tory tentou fazer um alarde, dizendo
que ele estava impedindo que ela praticasse sua religião. Como se bruxaria
fosse religião.
— Na verdade – falei, incomodada pelo jeito dele –, pode ser. Mas você não
deveria misturar o que Tory e as amigas dela estão fazendo, isso de brincar de
ser bruxa, com bruxaria de verdade. As bruxas de verdade não fazem feitiços
para atrair atenção, e sim porque isso lhes dá realização espiritual. E a
bruxaria, se for bem-feita, tem mais a ver com agradecer à natureza, e
demonstrar apreciação por ela, do que tentar dominá-la ou... ou fazer coisas
aparecerem por magia. — Não diga que você também é uma delas – o tom dele era
de desaprovação. — Não sou – garanti, depressa. – Mas um dos efeitos colaterais
de ser filha de pastora é um interesse pelas práticas espirituais. Todas as
práticas espirituais. Posso lhe falar sobre xamanismo, também, se você quiser.
— Fica para a próxima. Acho que isso significa que vou ter de aceitar sua
palavra no quesito espiritual. Mesmo assim, não posso deixar de pensar que sua
prima não está nessa, por algum motivo tipo Nova Era, porque virou comedora de
granola e coisa e tal, e sim porque é a nova moda no grupinho social dela. —
Acho que para Tory a coisa é um pouco mais profunda do que isso – falei,
pensando em como ela havia ficado com raiva de mim durante a conversa sobre
nossa ancestral, Branwen, na primeira noite que passei em Nova York. – Mas fico
aliviada porque você acha que ela não tem problemas. Quero dizer, com drogas. —
Com toda a sinceridade, acho que Tory é inteligente demais para perder o
controle desse jeito. Acho que muito do que você viu no caramanchão naquele dia
foi só... bem, para se mostrar. Para ele. Zach não disse, mas para quem mais
Tory estaria se mostrando? A questão era: ele sabia? Achei que poderia ser
melhor mudar de assunto, porque a última coisa que eu queria era ser acusada
por Tory de falar dela pelas costas – e esse tipo de coisa costuma voltar para
as pessoas –, por isso, perguntei: — Então, onde você esteve durante o
intercâmbio?
As descrições de Zach sobre as paisagens e os sons de Florença, na Itália,
nos levaram até a esquina da Quinta Avenida com a rua Oitenta e Nove, onde o
professor Winthrop, de educação física, estava esperando com seu cronômetro.
Jogamos os picolés longe – eu só havia conseguido chegar à parte branca do meu
Foguete, e nem tinha provado a azul – e fiz alguns alongamentos para preparar
nossa grande chegada. Então, agachados atrás de alguns arbustos, esperamos até
que um bando de corredores com shorts azulões viessem na nossa direção. Então
corremos para nos juntar a eles... ... e partimos na direção do professor
Winthrop e o cronômetro, ofegando tanto quanto se tivéssemos corrido quinze
quilômetros, e não apenas uma fração minúscula de um.
— Excelente, Rosen – o professor jogou uma toalha na direção de Zach. –
Você cortou um minuto inteiro do tempo que fez no segundo ano. Não consegui
mais conter um ataque de riso, em especial quando Zach disse em tom sombrio,
pendurando a toalha no pescoço: — Obrigado, professor. Andei treinando um
bocado. Mais tarde, enquanto voltávamos para a escola, Zach me encontrou no
grupo de garotas que tentava ir para o vestiário feminino para trocar de roupa,
e perguntou: — Ei, Jean, já experimentou souvlaki? — Não. – Senti que eu estava
ficando vermelha porque, claro, as outras garotas se viraram para ver com quem
ele estava falando. — Ah, cara – Zach sorriu, misterioso. – Amanhã vamos
experimentar o souvlaki. Prepare-se para curtir. – E, sem dizer mais nada, ele
se enfiou no vestiário masculino. Uau. Então Zach estava planejando me levar
para um souvlaki amanhã durante o tempo de aula. O que era uma espécie de
encontro. Bom, certo, talvez não, porque provavelmente ele só estava fazendo
isso para compensar aquele negócio de eu ter salvado sua vida. Mas mesmo assim.
Só quando eu havia tomado banho e ia para a próxima aula entorpecida como
num sonho foi que me lembrei de que Zach não era exatamente um homem livre.
Quero dizer, se os boatos fossem verdade, ele estava apaixonado por Petra...
... e minha prima estava loucamente apaixonada por ele. Louca o bastante para
fazer um boneco dele e cravar alfinetes. O que significava que, se eu fizesse
alguma coisa para desagradá-la – topo ir para um souvlaki com o cara de quem
ela gostava – nada iria impedi-la de fazer a mesma coisa comigo. E eu tinha
certeza de que não seria meus pensamentos que ela estaria furando. No entanto,
lembrando o modo como os olhos verdes de Zach haviam rido para os meus na linha
de chegada da educação física naquele dia, descobri que nem me importava. Não
me importava se Tory o amava. E não me importava se ele, por sua vez, amava
Petra. Para ver como eu tinha ido longe. Seria de imaginar, dada minha
experiência de vida, que eu reconheceria os sinais de alerta. Mas isso só serve
para mostrar como minha sorte é um horror.
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